Arnaldo Leite de Alvarenga
É uma alegria e orgulho inaugurar o espaço virtual Ensaios de Dança comemorando os 11 anos da criação do Curso de Dança – Licenciatura da Escola de Belas Artes/UFMG, e, acrescento, valeu a pena a construção do lugar público que esta graduação em dança representa. Criado no contexto do Programa REUNI – Reestruturação e Expansão das Universidades Federais Brasileiras, que ampliou o alcance das graduações em dança para outras regiões do país, além dos estados do sul e sudeste, o curso casou-se a um desejo há muito cultivado pelos artistas de dança de Belo Horizonte – atentos às necessidades de qualificação do professor de dança –, tendo em vista que a Capital mineira, no quadro geral da dança cênica brasileira, sempre se destacou não somente por nomes de pessoas em particular, mas também por grupos de relevância nacional e internacional preocupados com esta questão. Nessa construção, a iniciativa pública foi fundamental, papel desempenhado pela Escola de Belas Artes da UFMG.
Em 2005, assumi a iniciativa, solicitando à direção da EBA a criação de uma comissão para levar adiante a empreitada. Composta pelos docentes Lucia Gouvêa Pimentel, Mônica Medeiros Ribeiro e Arnaldo Leite de Alvarenga, a comissão teve como tarefa inicial organizar um Seminário que reuniu artistas de dança por intermédio de uma matéria publicada no jornal Estado de Minas. Acolhidos no Auditório Álvaro Apocalipse da Escola de Belas Artes, discutiu-se a proposição de um possível currículo para o curso, tendo em vista o bem público que estava em gestação. O seminário teve como observador externo o crítico de artes cênicas e cinema, Marcelo Castilho Avelar, cujo relatório final organizou os muitos temas discutidos e desejos expressos pelos presentes. O sucesso desse primeiro passo criou uma expectativa muito favorável dando um forte impulso ao empreendimento.
Entre as muitas tarefas da comissão foi efetivada uma revisão da literatura referente às práticas de dança na contemporaneidade, sobre o ensino de dança no Brasil, bem como visitas a universidades públicas e faculdades particulares do país que já possuíam graduações em dança instaladas, com vistas à reflexão, crítica e definição de um perfil conceitual que estruturaria o curso. Nesse trabalho, constatou-se uma tendência no sentido de uma formação mais híbrida do profissional de dança. Em face desta diversidade pensou-se em um curso que, sem privilegiar gêneros e estilos de dança, estivesse aberto para receber o(a)s ingressantes partindo de suas formações prévias nessa arte considerando que, sejam elas quais forem, todas têm em comum princípios fundamentais de organização de movimentos, que como um fio condutor, seriam aprofundados ao longo do curso, garantindo uma base comum a todo(a)s o(a)s discentes.
Tarefa fácil? De forma alguma, pois se apresentaram conflitos, divergências e muita discussão – fatores importantes no campo acadêmico, cuja moeda fundamental será sempre a dúvida, na busca de uma solução para o avanço de contingenciadas certezas.
A cada nova turma de calouros repete-se uma tarefa delicada, a gradativa conscientização da diversidade do(a)s discentes, do papel de uma licenciatura para dança voltada para a Educação Básica – o contato com as bases fundacionais da cultura humana e não a formação de profissionais mirins. Faço esse comentário, pois a compreensão de muito(a)s passa, ainda, pela expectativa da aplicação direta da sua formação pessoal, nesta etapa formativa do(a)s educando(a)s, numa afirmação de sua singularidade. Tal entendimento se constrói ao longo do curso, fortalecendo em cada um(a) a ideia, primeira, do lugar do corpo na formação humana, o ser um corpo, e, posteriormente, a possibilidade futura desse ser corpo, expressar-se pelo movimento sob a forma de dança.
Na consolidação desse trabalho tem-se buscado, junto ao corpo docente, uma autonomia acadêmica partilhada, um trabalho docente compartilhado e uma coordenação pedagógica efetiva. Tal postura investe em uma ação de resistência à excessiva individualização do mundo atual, pensada enganosamente como autonomia. Acreditamos que toda autonomia que se torna distante de uma possível convivialidade tem muito pouco da poiesis, elemento essencial naqueles envolvidos com as linguagens artísticas cênicas – que trazem como implícita uma relação dialética. Penso que é muito importante um pensar organizado em torno de um eixo comum – o Projeto Pedagógico do Curso, cuja proposta, é a formação do professor-artista-pesquisador –, que a todos busca representar pela via do que a atividade humana organizou na materialidade do corpo como dança, mas que traz com ela as imponderabilidades da arte.
Na educação básica despertasse o educando para os produtos fundamentais da cultura na qual está inserido, e, por extensão, do mundo que existe, desse modo a dança, como qualquer disciplina a ser ensinada, vê-se inserida nesta “cesta básica” (junto à matemática, a geografia, a biologia etc), de informações e conhecimentos com seu direito de acesso garantido, e não como um privilégio daqueles que têm condições de pagar por tais ensinamentos em espaços privados. As mesmas crianças que são preparadas para assimilarem os diferentes elementos das diversas disciplinas dos currículos escolares são aquelas também que farão contato com os elementos da dança entre as experiências da sua formação, familiarizando-se com a perspectiva futura de, se for o caso, se tornarem artistas de dança profissionais, tanto quanto médicos, engenheiros, geógrafos etc, como cidadão(ã)s sensibilizado(a)s, ao entendimento do esforço coletivo do(a) qual faz parte, para a construção do país em que vive.
Constatasse, hoje, que o Curso de Dança tem, aproximadamente, 65% do seu total de alunos oriundos de projetos sociais, os mais diversos, abrindo espaços para camadas sociais mais vulneráveis e concretizando assim propósitos estatais de fundo democrático de acesso ao ensino superior público e gratuito.
É importante ressaltar, finalmente, que o trabalho desenvolvido ao longo desses anos pela equipe de docentes, técnicos administrativos e da instituição em geral, mesmo com muito ainda a ser feito, tem possibilitado o ingresso de novo(a)s profissionais no mercado, em cursos de mestrado e doutorado, como pesquisadores, ampliando as muitas frentes de trabalho da Dança como área de conhecimento e desvendando a construção doslaboriosos esforços chamados de ideais.