Recém formado, o bailarino e pesquisador Alex Dias fala sobre sua experiência com o método Feldenkrias e sua passagem pelo curso de Dança.
1) Você poderia explicar como o método Feldenkrais funciona e qual a relação que ele estabelece com a dança?
O Método Feldenkrais é uma das várias práticas conhecidas sob o guarda-chuva Educação Somática, que vê o movimento como chave para favorecer transformações neurológicas, fisiológicas, cognitivas, afetivas, mecânicas. O foco principal é ajudar a desenvolver potenciais e habilidades, tanto físicas, quanto mentais e emocionais. Por ser um processo de aprendizagem terapêutica pode ajudar crianças e adultos, com algum tipo de deficiência ou não, a desenvolverem e aumentarem suas habilidades. O método foi desenvolvido por Moshé Feldenkrais, físico, engenheiro, mestre de judô e estudante de desenvolvimento humano. Nos anos 1940-1980, ele explorou as interconexões entre o corpo, a mente, o ambiente e o autodesenvolvimento para criar seu método. Temos duas maneiras de estudo, sendo uma em grupo e outra individual. As aulas em grupo ou Consciência pelo Movimento são organizadas a partir de sequências de movimentos que conduzem a atenção do aluno ou aluna para maneiras de se organizar e de se perceber ao fazer determinada ação. Auxilia, portanto, o aperfeiçoamento de funções motoras e o autoconhecimento, a descoberta de hábitos e padrões, promovendo um processo de investigação em um caminho integrativo entre percepção e ação. Não há demonstração dos movimentos e a condução é feita verbalmente pelo professor, para que o aluno tenha sua própria experiência, não busque comparação com os colegas ou o professor e, assim, possa aprender consigo mesmo a aumentar sua facilidade e amplitude de movimento, melhorar sua flexibilidade e coordenação e redescobrir sua capacidade inata para movimentos elegantes e eficientes. Nas aulas individuais, ou Integração Funcional, o professor usa do toque para ajudar o aluno a descobrir e ampliar possibilidades para novos padrões de movimento que sejam mais confortáveis e eficientes.
Em relação à dança, o Método Feldenkrais, como outras práticas somáticas, ao propor um caminho de autocuidado e autoconhecimento, pode ser de grande ajuda para o dançarino, na medida em que promove uma experiência de si. A partir da compreensão do funcionamento motor, da percepção interna de uma organização física, que não exclui o sensível e o emocional, o dançarino pode construir sua prática ancorada nas suas percepções, pois somos diferentes e cada experiência corporal é única. No entanto, somos nós, os artistas, os professores e os alunos de dança que estabelecemos relação entre as práticas, dependendo das nossas escolhas e caminhos artísticos.
No site feldenkraisbh.com pode-se encontrar informações mais detalhadas sobre o método.
2) Quais são os benefícios do método Feldenkrais para o aperfeiçoamento do bailarino?
É preciso esclarecer que o Método Feldenkrais, quando alinhado ao ensino e a prática de dança, pode causar alguns incômodos e impaciência nos dançarinos, pois é uma prática distante do ensino tradicional de dança, muitas vezes apoiado no exercício repetitivo para alcançar força, alongamento, extensão de pernas até o limite. Nas aulas do método, incentivamos movimentos lentos, pequenos, aquém dos limites, para que, com a diminuição do estímulo se possa expandir a percepção. Nessa abordagem, a referência não está fora, em um ideal estabelecido por outro, mas reside no próprio sujeito em contato com o seu meio. Portanto, antes de olharmos o bailarino, enquanto arquétipo, precisamos olhar o sujeito que dança, com suas diferenças e singularidades. Assim, muitas vezes os dançarinos terão que lidar com um embaçamento de dicotomias, pois não há certo ou errado, feio ou bonito. Desse modo, torna-se possível experimentar novas possibilidades de aprendizado, levando-se em conta que ao aprender experimentando, percebendo-se enquanto se move, o dançarino age sobre o próprio saber. Dito isso, os benefícios podem ser vários, pois abre-se um campo de investigação, no qual o dançarino se coloca implicado no seu fazer, não apenas replicando formas e ideais, mas construindo a sua prática.
3) Você desenvolve o Projeto Corpo Móvel, poderia contar sobre como o desenvolve e o público envolvido?
Corpo Móvel diz respeito ao meu interesse em pesquisar a relação entre percepção e ação, entre intenção e ação. Desde meu começo na dança que essa busca se faz presente, busca pelo encontro comigo mesmo e com a possível aplicabilidade das percepções no processo formativo e prático em dança. É, portanto, um projeto sobre praticar dança com foco em um mover mais particular e autônomo. O Método Feldenkrais é a base e o fio condutor desse trabalho, no qual a percepção adquirida por meio de lições do método servem de suporte para as explorações de movimentos. É um convite ao diálogo perceptivo, sem a preocupação de encontrar respostas, mas com a possibilidade de provocar a experiência do próprio movimento. Orientada como um processo, essa proposta se sustenta na experiência do mover, com o objetivo de desenvolver uma autoconsciência como ferramenta de criação e refinamento para a própria prática artística, ampliando vocabulário e qualidade de movimento. Venho trabalhando essa proposta nas minhas aulas de dança, workshops e criações artísticas. O projeto envolve qualquer pessoa que tenha no movimento sua fonte de inspiração e desenvolvimento artístico, seja dançarino ou não.
4) Mesmo com sua carreira artística consolidada, sendo inclusive referência em Belo Horizonte pelo seu conhecimento do método Feldenkrais, você decidiu fazer a graduação em Dança, por quê?
Eu sempre gostei de estudar, de pesquisar, mesmo fora do contexto acadêmico. Vejo o estudo como um processo, que não precisa, necessariamente, ser linear. Assim, ao buscar o curso de dança após 30 anos de profissão, eu queria abrir outros horizontes de pesquisa e estudo. Queria olhar para minha profissão sob outras óticas, encontrar outros modos de fazer dança, de pensar dança. Eu já desenvolvia meu trabalho na conexão dança e Feldenkrais, então achei que seria um bom momento para aprofundar essa pesquisa no âmbito universitário. Foi isso que me levou ao curso de dança.
5) Você defendeu recentemente o seu TCC, poderia falar brevemente sobre a pesquisa realizada e a escolha do tema?
Desde o meu primeiro período no curso que eu me dediquei a pesquisar a relação do Método Feldenkrais com a dança. Lembro que na disciplina Corpo e Sociedade I a professora Carla Andréa nos pediu um artigo como avaliação final da disciplina. Esse trabalho avaliativo foi o estopim para todo meu percurso, pois a partir dele desenvolvi um projeto de Iniciação Científica, que serviu de arcabouço para meu trabalho de conclusão de curso. O trabalho consistiu na investigação, junto a uma companhia de dança profissional, das interferências que o Método Feldenkrais poderia provocar no dia a dia dos dançarinos. Para isso eu desenvolvi um projeto no qual eu fui a campo pesquisar e analisar essa questão. Eu propus um laboratório prático que consistia em lições do Método Feldenkrais e explorações de movimento a partir das percepções dos dançarinos, após experimentarem o método. Tivemos, também, uma parte em que eles exploraram trechos de coreografias que estavam em repertório e, por fim, fizemos grupos focais, para que eles pudessem falar, conversar e discutir sobre suas vivências e experiências com o processo. Os dados colhidos nos grupos focais foram a base para a análise. Busquei um enfoque fenomenológico na análise de dados, em sintonia com a metodologia da “Análise qualitativa da estrutura do fenômeno situado”, como proposta pelos pesquisadores Joel Martins e Maria Aparecida Viggiani Bicudo. A pesquisa qualitativa, segundo essa abordagem, precisa situar o fenômeno em primeiro lugar. Para isso, entende-se que, para que haja um fenômeno é preciso que haja um sujeito no qual esse fenômeno se situe. Desse modo, ao nos indagar sobre o que o Método Feldenkrais poderia provocar na prática de dançarinos, se fez necessário que se investigasse as percepções que os sujeitos observaram em suas experiências com as práticas. Os resultados dessa pesquisa nos mostraram que o Método Feldenkrais interferiu não somente na fisicalidade ou no movimento dos dançarinos, mas o que foi gerado a partir desse encontro estabeleceu gatilhos para questionamentos a respeito do aprendizado, dos hábitos e da autonomia dos dançarinos na sua prática.
6) Fale sobre a sua experiência no curso de Dança e quais contribuições você leva dessa formação?
O curso me ofereceu a oportunidade de olhar para minha prática de dança e rever conceitos, afirmar outros, enfim, mergulhar no meu fazer artístico e olhá-lo criticamente. Ao mesmo tempo me mostrou que meu percurso na dança, construído fora da academia, tinha valor e estava ancorado em bases sólidas. Eu entrei para o curso com uma carreira profissional consolidada, então, precisei me manter alerta para não deixar isso impedir que eu aproveitasse o que o curso poderia me oferecer. Foram 5 anos de trocas consistentes com colegas e professores. Por ser um curso jovem e com poucos alunos, existe uma atitude de acolhimento e ressonância de desejos entre todos. Como eu disse anteriormente, o curso me possibilitou mergulhar na minha pesquisa desde o início, me dando todo o suporte necessário para que a realizasse.