Ensaios de Dança

Episteme aí

Que dança estamos conhecendo neste tempo estranho?

Graziela Andrade¹

Desenho: Allen Forrest

Antes do inominável² momento em que vivemos, nós, que compreendemos a Dança com a letra maiúscula de um Campo de Conhecimento, já nos perguntávamos: como se conhece Dança? Como produzir e transmitir o que conhecemos? Qual o nosso fazer e como o fazemos? O que sabemos da/na Dança? 

Essas são perguntas que fundamentam qualquer campo de reflexão, pois dizem respeito a sua própria existência como tal. E, por mais intermináveis que pareçam as respostas que buscamos, o enfrentamento³ é o caminho para nossa permanência em movimento: agir, fazer, conhecer, saber e transmitir Dança.

Em 2012, Katz já nos convidava a não “monstrificar” nossa epistemologia, lembrando-nos que “a dança é dependente de um fazer e será necessário defender a experiência como apta a produzir conhecimento (p.96)”. É esta questão já bastante ampla e pouco investigada⁴  em nosso campo que faço emergir aqui nesse novo contexto, que chamarei de mediações imprescindíveis⁵

Digo isso em função de uma obviedade, pois que, sem mais escolhas⁶, a pandemia nos encaixotou em telas digitais. É fato, mesmo uma arte fundamentada na presença corpórea como a nossa, vergou-se às tecnologias e à virtualidade. 

Sorte a nossa, digo, historicamente. Aqueles que encararam a peste bubônica, a gripe espanhola ou a varíola, por exemplo, enfrentaram, certamente, mais drástico exílio, sem o cara a cara online. A praga da nossa vez se entremeou em um mundo já conectado, representado, modificado e imbricado ao universo digital. Benesses da tecnologia?

Bem, mas e a Dança com isso mesmo? Pois é, tento formular a questão no olho do furacão do vírus. Um corpo que dança sabe que é preciso manter em dia sua estrutura física, sua força, e conhece também a importância de manter sua flexibilidade, o alongamento. Então cá estamos nós, há quase 2 anos reinventando nosso ofício, na marra. E entre telas.

Nesse período de desencontro de corpos orgânicos, aprendemos a lidar como muitos softwares, provavelmente mais do que desejávamos. Cansamos a carne diante de computadores e celulares, desafiamos nossa saúde mental e a própria física, estando em vários lugares ao mesmo tempo. Vivemos de lives, oficinas, formações, bate-papo, espetáculos, aulas… um sem fim de criações de sobrevivência.

Ensaiando um retorno, riscamos o chão da sala com fitas, que é para lembrar ao corpo que ele continua enquadrado, há ao menos 1 metro de distância. E, óbvio, mascarado. Mas, que Dança é essa que, enquadrados, fazemos? O que realmente experimentamos⁸ nesse período, em Dança? 

Agora é hora de acabar este texto. Lamento pelos que esperavam algo diferente, mas não tenho resposta alguma. Só queria mesmo dizer que temos um novo saber para estudar, que ao rol dos desafios epistêmicos da Dança, há mais este a acrescentar: a Dança de tempos estranhos. 

Vamos lá? Cinco, seis, sete e… Ih, eu tava “mutado”, desculpa! 

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¹  Graziela Andrade é artista e professora do curso de Licenciatura em Dança da UFMG, ela dança e escreve para crianças a fim de sobreviver a esses tempos tão estranhos. 
² Ah sim! Hoje, 21/08/21, sinto-me exausta demais para falar da necropolítica, do ataque à educação e às artes, da perseguição às conquistas sociais dos brasileiros nos últimos anos, da miséria de espírito político e coletivo em que estamos mergulhados. Desculpem-se, isso está em nossas carnes, não quero discorrer sobre. Embora considere fundamental a discussão sobre toda essa m*! Só não tenho forças hoje, 21/08/21. É preciso escolher o enfrentamento do dia, diante do vasto cardápio de lutas ao qual estamos impelidos.
³  Sim, caro leitor. Eu bem o sei. O enfrentamento. É preciso se criar estratégias, pois o governo atual faz desviar o nosso olhar a cada obscenidade assumida. Elas são diárias e doídas. Você já dançou hoje? Conclamemos nossa Pina Bausch, mais que nunca: Dancemos, dancemos ou estamos todos perdidos!
⁴ Em 2017 eu mesma realizei um levantamento bibliográfico a respeito do assunto na pesquisa “CORPODISPOSITIVO: breves reflexões sobre a pesquisa em Dança no contexto das tecnologias digitais”, que infelizmente não publiquei, o que só reforça a necessidade de maiores esforços epistêmicos. 
⁵ Mediações de sobrevivência também não seria nada mal!
⁶ As escolhas sempre existem, certo? E a minha foi de pensar aqui em quem opta pela preservação da vida, a sua e a dos outros. 
⁷ Deixo pra vocês a questão, não tenho intenção de produzir argumentos em defesa ou contra as tecnologias da informação, até por que pensar em dualidade anda fora de moda e de propósito. Não, não vou seguir este caminho. Não que não seja importante, só não está no cardápio de hoje.
⁸ Não seria uma ironia falar de realidade e experiência neste contexto? Isso faz algum sentido pra você?
 
 
 
 
 
 

 

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