Texto: Liel Gabino
Como artista, me sinto envolvido em um processo de aprendizagem ao longo da vida, realizado em sua maior parte no ateliê. Um processo de aprendizagem que ultrapassa a mera aquisição e refinamento de técnica e habilidades. Quando entro no ateliê, de repente percebo que algumas coisas na sala estão presentes – enquanto outras estão disponíveis.
Caracterizo isso como níveis de presença e ausência de acordo com a visibilidade e acessibilidade das coisas. O lugar do ateliê se estende sob as imagens que são lançadas sobre ele. O lugar é aquilo que está por baixo da totalidade das coisas,
configurações, inquietações e envolvimentos que constituem o local de criação como uma figura receptora. Lembrei do ‘lugar potencial’ de Winnicott “uma área intermediaria de experiencia que se situa entre o mundo interior, a realidade psíquica interior e a realidade real ou externa” (in Ogden, 1998, p. 205). Para mim, a imaginação é o resultado da transformação que o pensamento sofre quando é trazido para o “espaço potencial”. O espaço potencial se baseia em duas condições: o ambiente emocional e o ambiente físico. Essas duas condições se fundem em um só local no ateliê do artista.
Espaço também diz respeito a capacidade do corpo de se localizar, organizar seu entorno imediato para propósitos complexos. Uma facilidade do artista é produzir um local de criação que facilite os movimentos do mundo interior para o mundo exterior e o mundo exterior para o mundo interior. A maneira como um artista ordena seu local de trabalho determina como o mundo das coisas que ele encontra todos os dias o afeta. A produção artística está intimamente ligada as complexidades de fatores que estão além do escopo da realidade distinguir. A ideia do artista trabalhando no ateliê é
profundamente formadora de uma ideia sobre autenticidade pessoal da expressão de alguém que é radicalmente livre. O ateliê serve como uma forma tangível de abordagem das passagens de ser e tempo. Imagino que, levarei anos para integrar um ateliê, para criar condições nas quais o movimento cíclico de meu pensamento e ação criativos pudesse ocorrer; um movimento ou ritmo em que novos ciclos nascem dos anteriores, um movimento permeado pela repetição. Mas essa repetição não é uma repetição árida, mas uma que cria diferença.
As condições espaciais do ateliê se aglutinam nas proximidades das paredes do ambiente de trabalho e em torno de qualquer peça que esteja em processo criativo no momento. A parede é então o ponto nocional a partir do qual os avistamentos são feitos. As obras concluídas são relegadas as laterais e ao fundo, muitas vezes justapostas ao
trabalho cuja conclusão foi adiada. A conclusão adiada de uma obra é um afastamento, uma interrupção de atividade que me lembra Perseu, do mito grego, que deve virar a cabeça para sentir o caminho para realizar seu trabalho. Assim, atelie e processo criativo também podem ser vistos como um vasto deposito de possibilidades ainda não percebidas e não declaradas. Em todo o espaço existem diferentes configurações de ordenação – os planos horizontais das mesas repletos de escrita e desenho, os planos verticais e inclinados das obras concluídas e em andamento. A organização interna dos
caminhos entre as coisas do ateliê, seu posicionamento vertical e horizontal é fundamental para direcionar a atenção, o movimento e as ações do artista. As camadas de materiais revelam parte da tentativa do artista de organizar o lugar de modo a renderizar, ao encontrar a qualidade arbitrária das imagens como objeto de sentido e, dessa forma, extrair delas mais do que poderiam me dar em seu estado primitivo.
Espaço Potencial é uma exposição que desloca o espaço do atelie, onde os trabalhos em processo são colocados de modo a oferecer–se a vista. Um lugar de justaposição,camadas, linhas. As operações de resgate da memoria e da recuperação; um
conglomerado de coisas de diferentes vertentes. Um lugar dentro e além do lugar do ateliê. As rotas para as paredes do atelie são projetadas para libertar a consciência. Se colocar diante delas produz uma continuidade de autocompreensão e, eventualmente, nos ajuda a compreender a complexidade de nossos próprios processos criativos.
Processos que, para mim, representam um padrão complexo; um padrão no qual o trabalho se da como um reservatório de reapresentações e conexões que fornecem uma fonte de inspiração criativa.