-Como o cotidiano influencia no seu trabalho? 

Vamos lá, vou responder aqui a primeira pergunta. Como o cotidiano influencia no seu trabalho? Essa pergunta, ela é… Como se chama? É difícil de responder. Eu acho difícil de responder essa pergunta. Quanto mais simples a pergunta é, mais difícil ela de responder. Mas o que eu entendo de cotidiano, para mim, é, tipo assim… No meu dia, assim, o que acontece nos meus dias? Acordo, tipo assim, vou para a aula, trabalho. Trabalho, depois vou para a aula. E saio na rua, compro um pão. Sei lá, pego um ônibus, encontro os amigos, bebo uma cerveja. Eu acho que o cotidiano influencia por causa do meu estilo de vida, né? Tipo assim, do corpo que eu tenho, da pessoa que eu sou, da minha travestilidade e as coisas que podem acontecer, que não acontecem, que acontecem sempre. Quando eu saio na rua, quando eu coloco isso tudo que eu falei em jogo, eu acredito que é dessa forma que influencia, como que eu estou vivendo. E por isso que é difícil de responder essa pergunta, porque é tudo. Tudo influencia no meu trabalho. Tudo que é do cotidiano meu, particular. E tem um cotidiano coletivo também. Acho que é a mesma coisa, não tem diferença para mim.

-Para você, quais são as questões mais importantes para a arte no momento atual? De que maneira você acredita que o seu trabalho responde a elas?

Nossa, a segunda também é difícil, pra você quais são as questões mais importantes pra arte em um momento atual, assim, eu vou responder essa primeiro, depois vou responder a outra, mas eu acho que, né, de primeiro assim o que eu penso são questões sociais assim por ser uma pessoa trans, né, que tá contra o sistema, né, tipo assim, que tá na margem também e resolve ir pra esse espaço, né, que por muito tempo foi elitizado e eu acho que essas questões de acessos pra pessoas marginalizadas, né, tanto trans quanto questões raciais e questões de socioeconômicas, né, tipo, eu acho que isso vem sendo. Discutido na arte há muito tempo, mas que ganhou uma certa força nos últimos anos, nos momentos atuais. Mas eu também fico entre a questão da tecnologia, de inteligência artificial e de… Enfim, questões tecnológicas mesmo, de ferramentas tecnológicas, de o que pode ser a arte a partir dessas ferramentas, assim, eu acho que tá aí também, não só mais, né? E também, e entro em tudo, acho que tudo acaba se juntando de certa forma, porque essas ferramentas deram acesso às pessoas, né? Começarem a fazer trabalhos e etc. E que são ferramentas que dá para serem usadas. Eu acredito que dá para serem usadas de forma benéfica, assim, que tem muito uma. Um estigma que eu vejo muito das pessoas não saberem o que é. Mas isso aí já envolve outras questões sociais e democratização de arte e tal, mas eu acho que essas são as questões mais importantes na arte atual, que são questões sociais e esse negócio da tecnologia, eu acho que vai ser por um bom tempo. E de que maneira que eu acredito que meu trabalho respondia a elas? Então, por muito tempo eu achei que meu trabalho não respondia a nada disso, que eu estava só criando imagem e falando sobre um interno que era só meu, e depois de muita pesquisa e muito estudo assim, eu fui entender e de vivência também, que eu fui entender que eu raie como corpo que eu tenho, sendo humano. Uma pessoa trans, com uma travesti e tal. Eu fazer arte já é muito político, assim, né? Tipo, na posição que eu estou. Então, eu falo de mim, mas eu também falo dessas questões de gênero, né? Tipo, assim, eu falo de como que é difícil estar nesse espaço de artista. E é por isso que também eu, às vezes, acho mais confortável estar num lugar de artesã, o que não diferencia muito, sabe? Artesã e artista são a mesma coisa, mas eu gosto da palavra artesã, da simbologia da palavra artesã, mais do que da artista, assim. Mas eu acho que o meu trabalho atende porque eu estou fazendo mesmo. É eu que faço.

-Qual contexto é importante saber para compreender seu trabalho? (Pensando no que o artista acha importante compartilhar do processo ou vida, para amarrar no trabalho)

Qual contexto é importante saber para compreender meu trabalho,  eu vou repetir de novo que eu acho que é o contexto de questões sociais, socioeconômicas e de gênero, racial também. É Importante saber, tipo assim, entender que a minha população, a população que eu faço parte, a trans, existe assim, a gente faz tudo assim, a gente cria mundos, mesmo com um sistema empurrando a gente para fora e criando obstáculos todos os dias e a gente têm que enfrentar essas coisas todos os dias, sair na rua, tudo mais. Para entender meu trabalho é só saber que a gente existe e que a gente faz coisa que todo mundo faz e é isso, eu acredito nisso

-O que te inspira a produzir? (Referências artísticas, música, etc)

O que que me inspira a produzir? Eu tenho uma coisa, uma questão com revival, né, que é eu acho que me foi negado assim umas vivências quando eu era um adolescente nos anos 2000 e eu tenho um rivavel muito grande assim com essa época da humanidade dos anos 2000, 97 até 2010 assim, que me foi negado assim uma certas coisas dessa época e eu gosto muito assim de referências dessa época, tanto de música, de filme, de moda, de geração de imagem, de cenografia, de como que a cidade era, de como que as pessoas vestiam, de como que as pessoas ouviam e viam as coisas e esse revival eu tento. Trazer sempre, assim, do que era consumido nessa época de referência imagética, assim. Eu sou muito apaixonado por algumas animações, alguns filmes dessa época, tanto japoneses, tanto ocidentais e orientais, assim. E esteticamente me falam mesmo, sim, só de imagem pura, mesmo crua, assim. Eu me inspiro muito nessas coisas, mas também no que é agora, também, sabe? Tem uma coisa que eu fico reparando que quando eu saio na rua eu fico lendo, sempre tinha isso, eu ficava lendo as placas, as coisas que estavam escritas na cidade, tanto de pixe, tanto de loja, tanto de coisa. E principalmente as lojas de… os trens de metal, assim, né? Tipo, ferramentas, lixão, negócio de reciclagem. Enfim, e outras coisas também, música, tudo, não consigo, tem algumas coisas, algumas referências mais explícitas assim, que você consegue ver um pouco do meu trabalho, que tem uma questão muito próxima assim, com uma referência muito grande religiosa, do que era a igreja católica, de como que ela colocava as imagens de santos e de coisas assim, de como que era montado uma igreja e tal, e também tem uma em específico assim, fui lembrar, tem uma editora de mangás e animes japoneses que chama Clamb. Que são cinco mangakas, cabeças, que estão no comando, que se chama Clamp. E aí a forma como elas desenhavam, como que elas representavam os personagens, os cenários, as coisas, era bem parecido também com a fantasia da Igreja Católica, sabe? Com essa fantasia do bonito, da dor, da beleza, da dor e tal. E também eu tenho uma questão muito grande com alguns desenhos, com algumas animações da Disney, e alguns filmes brasileiros também, principalmente Bela e a Fera. Louco isso, né? Mas eu sou muito apaixonada pela Bela Fera. Eu tinha uma questão que eu ficava vendo a Bela Fera várias vezes, assim. E que eu tive que parar um pouco que estava meio obsessivo, mas acho que é isso, e música, tudo assim, escuto muita coisa, mas aí principalmente coisas dessa época assim dos anos 2000, sabe? Tanto de pop, rock, R&B e outras derivações de música eletrônica também, que eu fui muito inserida nesse meio eletrônico, eu lembro que quando eu tava nessa época assim, de adolescência, minha tia tinha um CD de flashback dos anos 2000, que era muito bom, que eu amava, uma boa Madonna, um bom Beyoncé, e eu tiro no fruto o suco das coisas daí, sabe? Tipo assim, em questão de imagem, de como que eu vou gerar uma imagem, eu tiro daí, e o resto vira história e vira arte

error: Olá ! Favor entrar em contato com a/e/o artista responsável pelo trabalho para solicitar o arquivo desejado.
Pular para o conteúdo