-Como o cotidiano influencia no seu trabalho?
Então, sobre a questão do cotidiano, como o cotidiano influencia o meu trabalho, eu diria que esse pensar artístico, ele é constante, ele é diário, então eu penso na minha pesquisa basicamente todo dia, eu tento produzir algo também todo dia, tentar experimentar algo novo também em relação à materialidade, porque o meu trabalho envolve muito essa parte escultórica, então nessa parte escultórica eu estou sempre tentando buscar alguma nova matéria que possa ajudar, que possa conectar ainda mais na minha pesquisa, então ou um óxido novo, ou um pigmento novo, ou enfim, alguma forma que busque conectar com a pesquisa que eu faço, que é em relação à fé, a pesquisa, ela é também sobre a crença, a devoção, então ainda mais nesse imaginário católico, porque esse cotidiano, como o cotidiano influencia, eu diria que ele também pode influenciar na minha. Convivência diária mesmo com as pessoas, assim, com os amigos, com a família, ainda mais que muitos deles têm essa fé católica também, têm essa presença desse espírito, dessa vontade de devoção. Para eles também é diária isso, eles buscam isso também, então isso acaba me instigando, me atraindo um pouco, sabe? Ainda mais eu tento refletir toda essa busca, todo esse caldo que eu aprendo, que eu observo diariamente com as pessoas, eu tento cristalizar esse caldo, assim, fomentar esse caldo de uma forma mais através do imaginário católico mesmo, desse imaginário com as imagens, com as iconografias, iconologias cristãs, né? Então, ainda mais com os objetos também que são usados nessa devoção, tomar cruz, as medalhas, as medalhas religiosas, os capulários, tem essa questão também do relicário, de ter essas relíquias. De ter esses objetos todos reunidos e pertencentes a algo maior, vamos dizer assim, essa conexão celestial, essa conexão empírica. Então, eu diria que o cotidiano é principalmente com aquilo que eu vivo, com o que eu convivo com as pessoas, com aquilo que eu, não só com as pessoas, mas com a relação com o espaço também é importante, sabe? Em relação, por exemplo, visitar os museus ou as igrejas, tentar entender um pouco essa história do Brasil também, que ainda mais que não é só um imaginário católico separado, né? É o imaginário católico contextualizado no Brasil, então, tentando entender essa fé católica brasileira, tentando entender essa devoção brasileira que é muito forte aqui no nosso país, assim, esse imaginário católico, né? Essa fé que está de norte a sul aí no país, obviamente que tem as outras religiões, tem as outras devoções. Minha pesquisa vai mais por esse lado mesmo.
-Para você, quais são as questões mais importantes para a arte no momento atual? De que maneira você acredita que o seu trabalho responde a elas?
Em relação à arte de hoje em dia, assim, eu tenho achado interessante algumas coisas, tenho percebido que nos últimos anos tem tido mais essa oportunidade de presença de artistas afro-brasileiros, artistas negros, artistas negras e negres e artistas indígenas também. Então, tenho percebido mais isso, tenho achado isso muito interessante, muito importante, porque isso dá uma re-vasculhada, dá uma busca na nossa história, porque eu vejo muito deles tentando vasculhar a história do Brasil, e não só a história do Brasil, mas tentando vascular isso, tendo o seu ponto de vista particular, tendo sua subjetividade e também sua localidade, sua noção geográfica também, de onde vieram, de cada parte do país, então acho isso tudo muito interessante, não só também a parte do país, mas como a própria, o próprio questionamento artístico de cada um, então. Uns vão para um lado mais, que nem eu disse, geográfico, outros religiosos, outros mais social, outros políticos, outros também que são racial, então é um exemplo que eu posso dar que me chamou muita atenção, que eu gostei bastante da exposição, foi aquela das encruzilhadas afro-brasileiras que teve no CCBB agora recente, que foi do Projeto Afro, idealizado pelo Projeto Afro, que é o do, se não me engano, o pesquisador Deri Andrade, mas é em relação ao Projeto Afro que eu gostei muito, eu gosto muito do trabalho deles assim, que eles fazem essa pesquisa imagética também, que também é um outro lado da minha pesquisa, a minha pesquisa não é só escultórica, mas ela é imagética também, então tem essa parte do bidimensional, que é com essa busca em imagens também de fotógrafos brasileiros, fotógrafos estrangeiros, mas esse fotógrafo. Esses fotógrafos que buscam representar a história do Brasil, documentar a história do Brasil e de ter esse registro fotográfico documental, então aí de pegar esse trabalho e revirar ele também, revirar esse baú da história, no caso eu reviro esse baú da história da fotografia brasileira, aí eu tento buscar alguns artistas, alguns fotógrafos brasileiros do século 20 ou até arquivos fotográficos também, já que são de fotógrafos mais desconhecidos, que são apenas os arquivos fotográficos públicos, mas revirar toda essa bagagem imagética e tentar propor um novo significado ou tentar propor um novo anacronismo artístico, então eu vejo muito dos artistas de hoje em dia fazendo isso também, sabe, então tinha alguns artistas desta exposição que trabalhavam com essa questão de imagética também, de tentar re-trabalhar isso, mas outros vinham por esse lado mais escultórico, outros mais pictórico, tinha até os desenhos também, enfim. Era para cada lado, vamos dizer assim, das artes visuais. Mas o meu trabalho, eu acho que ele é muito influenciado por essa visão contemporânea, assim é um trabalho que eu viso mais essa arte contemporânea mesmo, e também essa arte que eu viso tentar vasculhar a história do Brasil, né? Mas o meu foco seria mais a história do Brasil também pela perspectiva da devoção católica, da fé católica, do imaginário católico. Mas eu acredito que o meu trabalho, minha pesquisa pode estar entre esses outros artistas que revisitam a história do Brasil e a história de cada um também, né? Acrescentam sua particularidade. Então eu acredito que eu também acrescento a minha particularidade. Aqui de Minas, então ser um brasileiro, onde em Minas também, essa fé católica é muito forte, assim essa coisa da devoção e tudo mais, é, acredito que tem esse imaginário também da minha família do interior de Minas e juntar tudo isso, todos esses pontinhos sabe, juntar tudo isso e propor um novo sentido, um novo significado ou um ressignificado sobre o imaginário brasileiro, sobre a história popular brasileira né, porque ainda mais que o trabalho envolve o povo né, a fé do povo, o imaginário do povo, enfim.
-Qual contexto é importante saber para compreender seu trabalho? (Pensando no que o artista acha importante compartilhar do processo ou vida, para amarrar no trabalho)
Em relação ao contexto, que pode ajudar a entender um pouco mais a obra, o artista, acredito que eu comecei a falar um pouquinho no outro áudio, no áudio anterior, mas vou falar um pouco melhor agora nesse, que é sobre a questão de ser um artista mineiro, de ser um artista mineiro, um artista pardo, e de ter essa percepção, também de ter a família vinda do interior, a família toda interiorana aí do Brasil, de Minas, do Brasil claro, mas de Minas, então o que eu estava dizendo é que Minas, esse imaginário católico é muito forte, então acredito que desde pequeno assim venho percebendo isso, eu não sou católico, mas eu fui católico quando era o mais novo, então isso ajudou também a tentar entender um pouquinho mais ou aprender um pouco mais, aprender um pouco mais disso, assim, dessa percepção dessa fé católica. Então, assim, acredito que isso possa ajudar um pouquinho a contextualizar aquilo que eu faço, né? Pra não simplesmente chegar de paraquedas e a pessoa que tá do lado de fora, o público vê as obras assim e… Assim, pô, de onde que esse cara tirou isso? De onde que ele tentou entender isso e tudo mais? Mas é isso, assim. Então, em outro contexto, que eu acredito que eu posso dizer também, que o trabalho desenvolve muito essa questão do sal, né? Eu ainda não falei isso, mas o sal é essa materialidade que eu tava dizendo no primeiro áudio que eu tento experimentar novas materialidades e uma das novas materialidades que eu consegui encontrar foi o sal, o sal mesmo. Eu uso mais especificamente o sal de cozinha e o sal de cozinha eu uso… Nossa, eu tenho tentado fazer de tudo, assim. De tudo com ele, na verdade. Então eu misturo bastante ele com sal, água, tento arrumar uma forma de cristalizá-lo, né? Eu acredito que a principal guia do sal seria essa parte da cristalização, porque ele cristaliza. Potencializando eu consigo aplicar ele em várias outras materialidades, em vários outros objetos. Então eu tenho essa parte que os artistas na história da arte chamam de red made e tudo mais, de ter um objeto do cotidiano, do uso cotidiano e usá-lo ou propô-lo como um novo fazer artístico. Então eu faço isso a partir do sal. E o sal entra também nessa questão histórica brasileira, na questão da devoção. Eu diria que os três guias também da minha pesquisa é a questão da história, da fé e da devoção, sabe? Eu diria que é principalmente isso, se isso aconteça seria fundamental entender a história brasileira, a fé brasileira e a devoção brasileira, se fosse para resumir em três palavras, né? Essa parte do contexto e tudo mais.
Ah, o que eu posso acrescentar também é que em relação ao meu trabalho não envolve só a questão do imaginário e tudo mais, que é católico, mas envolve também sobre histórias bíblicas, né? Então tudo envolvendo essa parte católica, envolvendo a história da Bíblia, envolvendo os versículos, contos, fábulas, mitos, parábolas bíblicas, então envolvendo toda essa narrativa bíblica também, né? Então acredito que o trabalho envolve muito essa questão de narrativa, de histórias, então acredito que seria contar uma outra história também, ou um outro ponto de vista sobre a mesma história, sabe? A mesma história bíblica ou a mesma história brasileira, acredito que isso também possa ser importante.
-O que te inspira a produzir? (Referências artísticas, música, etc)
E o que eu posso dizer também assim, de referência, que ajuda, eu gosto muito dessa parte mística, onírica, também me interessa essa parte barroca também da história brasileira, então me inspira muito o barroco mineiro, claro assim, é fundamental na minha pesquisa de entender isso e tudo mais. O barroco eu acho muito interessante, essa proposta também que eles têm, o barroco é essa mistura, esse barroco mineiro é uma mistura de várias culturas, essa mistura de vários povos, que é o Brasil, essa mistura de várias culturas, de várias crenças, de várias etnias, é o que me instiga muito também. Então o barroco mineiro, por exemplo, é a mistura entre a cultura portuguesa, aí vem a cultura mineira aqui, mas também tem símbolos afro-brasileiros, ainda mais envolvendo essa questão do sincretismo religioso, que tem também dos santos, que tem essa conexão, essa ligação com outras crenças. Outras culturas, outras religiões de matrizes africanas, né? Então tudo isso me instiga muito, eu acho muito interessante essa ideia de um santo, por exemplo, também ser considerado um orixá, São Jorge, por exemplo, no Rio é Ogum, então aí Santo Antônio, no caso que é Ogum lá na Bahia, então assim, enfim, para cada região é uma forma diferente de lidar com essa, com esse imaginário, né? Então acho tudo isso muito interessante, assim, esse sincretismo religioso, o barroco, mineiro, essa mistura de vários povos, de várias crenças, de vários costumes e etnias. Eu diria também que o que influencia, assim, de artista são os artistas mais contemporâneos, que nem eu disse no meu trabalho, ele envolve mais arte contemporânea, então eu tenho algumas referências de artistas contemporâneos, é um deles, por exemplo, é o Tiago Sant’ana, que é um artista negro lá da Bahia, ele envolve a pesquisa dele. Ele envolve muito sobre a questão da cultura afro-brasileira, de religiões de matriz africana também, então envolvendo essa questão do candomblé, umbanda, mas também tem um trabalho que ele envolve muito a questão da história brasileira, e o que me instigou muito no trabalho dele foi que ele fez alguns trabalhos com açúcar, que é um navio de açúcar assim, ele fez também uma rosa dos ventos de açúcar, enfim, e o açúcar pra ele, o que me instigou foi a materialidade, sabe, como que ele buscou em outra materialidade, conseguiu fazer algo novo, sabe, algo novo artístico, assim, isso me instigou muito, mas… e o açúcar pra ele também envolve sobre as questões do engenho de açúcar, e essa questão da história do Brasil, envolvendo o Salvador, envolvendo a Bahia e os engenhos e tudo mais. Então, uma das grandes referências para mim é ele, de artista brasileiro contemporâneo. Eu gosto muito do trabalho dele, tanto que ele que me instigou muito a pesquisar o sal, sabe? Então, eu pensei assim, se ele consegue fazer as coisas com açúcar, será que eu não consigo fazer as coisas com sal, não? Aí, enfim, eu diria que ele também, eu diria que na música tem um Milton Nascimento também, que para mim ele tem um canto meio barroco também, não sei, mas me instiga muito, não sei, esse imaginário que ele cria, essa ficção que ele cria com a voz e todo esse universo particular que é a música dele, sabe? Me instiga muito também. Enfim, um exemplo que eu posso dar é a Canção do Sal, né, do Milton Nascimento, envolvendo-se sobre a questão das salinas e tudo mais, acho interessante propor isso, no modo como ele propõe. Artista brasileiro, como eu disse, Thiago Sant’ana, posso dizer também Adriana Varejão, com a essa ideia das carnes e o corpo algo visceral. Essa parte do revisitar o imaginário pictórico brasileiro, tem o Tunga também que eu estava falando antes dessa questão do onírico, do misticismo, também acho muito interessante se propor esses objetos que é quase inconscientes, que é quase surrealistas, essa coisa que instiga o inconsciente também acho muito interessante, então eu diria que são eles, são uma das referências, vamos dizer assim.