Mais um tema emblemático para o universo da moda: o da interrelação, mas, antes desta, o reconhecimento da moda como uma prática/expressão artística ou simplesmente como mais uma arte. Esse embate que divide a comunidade de teóricos e criadores em dois blocos, o dos que a idolatram e enxergam na moda um passaporte para o processo do “fazer artístico”; e o outro, que responde pela atitude de vituperar a moda dotada do traço de arte. Esse embate, no entanto, data de um longo tempo. No início do século XX, a estilista Coco Chanel exercia um diálogo muito íntimo e direto com vários artistas e estabeleceu parcerias com o coreógrafo Serguei Diaghilev, o pintor Pablo Picasso, o dramaturgo Jean Cocteau e o poeta Pierre Reverdy.
lsa Schiaparelli foi outra estilista que frequentou, basicamente, os mesmos ambientes da sociedade da época. O pintor Gustav Klimt, fiel adepto de túnicas de linho, criou o Grupo Klimt, que contou com a participação da sua esposa, Emilie Flöge, musa inspiradora e dona de uma butique; desenvolveram algumas criações de moda.
O que nos faz racionar as seguintes possibilidades de combinatórias: moda na arte, arte na moda; arte e moda, moda e arte; moda artística. Mas, seria possível falarmos também em arte fashionista? De certa forma, não seria apropriado considerarmos as incursões de Klimt com suas criações e estampas de tecidos, que também aparecem em suas pinturas, como categorizações para o adjetivarmos como estilista. Na verdade, temos um exemplo de colaboração entre os campos. Outra contribuição advém da pop art de Andy Warhol, nos anos 1960, que provocou e questionou a própria noção de arte e também dialogou com a moda, além da publicidade. A obra “Prada Valuemeal”(1998), do artista Tom Sachs, propôs o questionamento do valor de marcas da moda como Prada, Chanel e Hermès em relação às embalagens de comidas fast-foods. As propostas conceituais registradas com as contribuições da wearable art da artista Lucy Orta convidam as pessoas a se engajarem e participarem de suas criações.
Independentemente do posicionamento, se ora entendemos a palavra “moda” como influenciadora da arte ou vice-versa, o relevante é refletirmos sobre a verve artística do ato de “fazer moda”. Algo que a liberte e propicie voos criativos. O que podemos perceber no processo criativo de Alexander McQueen, por exemplo. Posicionando-nos dessa maneira, conseguimos afastar um pouco a mera destinação mercadológica e capitalista à qual a moda está fadada a se direcionar e que está afetando seu universo criativo. Mas uma pergunta precisa ser respondida: por que a moda reivindica o status de arte para si? É sabido que, somente a partir dos anos 1980 (mesmo tendo registros de peças em acervos de museus que datam de antes desse período), a moda adquiriu o status de arte, ou seja, quando recebeu a “chancela” de renomados museus espalhados por todo o mundo (Metropolitan Museum, Victorian & Albert Museum, Musée de la Mode et du Textile são alguns deles), os quais a interpretam e acolhem suas criações como bens artísticos.
No campo do pensamento, já temos um certo número de autores que tentaram compreender essa sinergia – ou ausência dela – entre a moda e a arte. A filósofa Gilda de Mello e Souza, pioneira dos estudos de moda no Brasil e expert em estética, ao tratar da moda como arte, nos ensina que “como qualquer artista, o criador de modas inscreve-se dentro do mundo das Formas. E, portanto, dentro da Arte.” Outros autores são Aillen Ribeiro, Florence Müller, Valérie de Givry, Cacilda Teixeira da Costa e Alice Mackrell, dentre outros. E é exatamente o princípio das construções de formas que molda os desejos estéticos da moda, ou seja, libertando-a das amarras de mercado.