MARIANA LAGE
Entre fins de setembro e início de outubro do ano passado, o Museu Histórico Abílio Barreto recebeu cerca de 400 peças antigas que dão o pontapé inicial para mudanças importantes, tanto no que diz respeito às políticas de acervo da instituição quanto, numa perspectiva mais abrangente, à memória da cidade.
São peças que impulsionam a formação de um futuro museu de moda em Belo Horizonte, capaz de remontar, com objetos e trajes do passado, hábitos, costumes e modos de comportamento da sociedade desde a época do Curral Del Rey.
Essa mudança gradativa em direção a um acervo mais substancioso que possa retratar uma história da moda no Estado está sendo tratada com entusiasmo pela equipe técnica do museu e por profissionais relacionados ao mercado de moda. Afinal, é o início de uma história que pode corrigir um certo atraso do país em relação à preservação dessas peças frágeis e de miudezas aparentemente banais da vida cotidiana e doméstica, tais como a indumentária, as joias e os acessórios.
As peças doadas pertenciam à coleção privada do museólogo Luís Augusto de Lima, bisneto do ex-governador do Estado Augusto de Lima, que promoveu a mudança da capital mineira de Ouro Preto para Belo Horizonte. Num futuro próximo, serão exibidas publicamente em formato de exposições temáticas.
Segundo o diretor do museu histórico, Leônidas Oliveira, o acervo doado está em fase de pesquisa técnica-histórica e de catalogação. A programação prevê para março do próximo ano a abertura de uma segunda exposição relacionada à história da moda, já que a primeira está em cartaz e traz lingeries de 1890 a 1990, peças que vieram do acervo da instituição e de coleções privadas, como a do curador Domingos Mazzilli.
Para a professora do curso de design da moda da Fumec, Angélica Adverse, acervos têxteis como esse nos ajudam a perceber a forma como as roupas permeiam a vida individual e coletiva. “Por meio desse acervo, cria-se uma consciência do que é narrado pelos objetos cotidianos. O próprio Abílio Barreto intentava colecionar objetos cotidianos que pudessem apresentar a nossa história cultural. Os objetos são memórias de hábitos e estilos de vida, assim como do nosso comportamento de consumo em diferentes momentos do passado”, aponta.
Para Mazzilli, faltava à cidade uma instituição capaz de fazer o entremeio entre a vontade política e a memorabilia, a tradição e os guardados que são passados através das gerações. “Acho importantíssimo esses espaços que guardam a memória coletiva, não tanto do grande feito histórico, mas do objeto cotidiano, miúdo, banal. Penso que o museu da moda é importante pois a moda é algo muito poderoso por tudo que ela remete, seja ao tempo, ao obsoletismo, à cultura”, defende.
A doação de objetos como revistas, luvas, chapéus, fotografias, etiquetas de roupa e peças de vestuário partiu do desejo de Luís de tornar público seus guardados familiares. Entre as peças doadas, destaque para o penhoar pertencente ao enxoval de casamento, em 1941, de Ephigênia Carsalade Villela, mãe do museólogo. “Ele foi comprado com uma senhora do Rio de Janeiro, madame Geny, que adquiria em Hollywood peças dos figurinos dos filmes e vendia aqui”, revela.
Do público ao Privado. O desapego de Luís em ceder à instituição pública parte de sua coleção familiar acabou se transformando também num incentivo para que outras pessoas, de famílias tradicionais da capital, fizessem o mesmo. É o caso de Marília Salgado, filha de Lia e Clóvis Salgado. Objetos pessoais e documentos dos seus pais já compõem o acervo do museu histórico, mas restam ainda algumas peças especiais que pertenciam à sua bisavó e à sua mãe, como, por exemplo, um vestido encomendado e costurado a mão que a bisavó de Marília usou na festa em celebração à Revolução de 1930.
Outra peça é o “rob de jeur”, vestido que ela usou somente uma vez, na manhã seguinte ao seu casamento, por volta de 1878. “Para quê vou deixá-las sobre o armário de um quarto se as peças podem ser expostas e vistas por muitas pessoas?”, pergunta-se Marília Salgado.