Entrevista concedida ao jornal O Povo
“O grande erro epistemológico é entender a moda só como consumo. A moda tanto transita entre um objeto que propõe uma estética para a humanidade, como destina-se ao consumo”
O Closet conversou com o professor de moda da UFMG, Tarcisio D`Almeida, que esteve em Fortaleza falando sobre a intelectualização da moda. O jornalista veio lançar o livro Moda em Diálogos: entrevistas com pensadores. O livro abre o leque do pensamento da moda para além das passarelas e aponta como e onde o fenômeno influencia e contribui para a construção de uma identidade ao longo dos séculos.
O POVO – Porque moda é um tema ainda muito ligado a frivolidades?
Tarcísio D`Almeida – O grande erro epistemológico é entender a moda só como consumo, mas a moda tanto transita entre um objeto que propõe uma estética para a humanidade, durante as décadas e séculos, como destina-se ao consumo. Mas a maioria interpreta só como consumo, ao invés de uma produção estética para a humanidade. Esse é o eixo central onde reside esse preconceito de ver a moda só como algo frívolo, superficial e que não acrescenta nada à sociedade, por exemplo.
OP – No livro Moda em Diálogos… você reúne entrevistas com sete pensadores, como foi esse processo?
Tarcísio – Esse é um projeto que venho desenvolvendo desde a década de 1990, já tem um certo tempo (risos). Sempre tive uma inquietação e sempre quis refletir sobre a moda. Tive a oportunidade de entrevistar pensadores na área de filosofia, sociologia, antropologia, economia. São sete pensadores internacionais para quem eu expus minhas inquietações. Desde os anos 1990 estabeleci uma maneira de pensar moda e dialogar com esses autores. Então eu trouxe para a humanidade um campo que é pouco pensado, pouco refletido, que é a moda.
OP – Na entrevista que abre o livro, com Gilles Lipovetsky, ele reclama de que há pouca interrogação teórica sobre o fenômeno da moda. Qual você diria então que são as mais relevantes questões sobre a moda hoje em dia?
Tarcisio – Essa posição do Lipovetski é perfeita, porque explicita todo o problema que reside na moda no campo do pensar. Você pode pensar e refletir teoricamente a moda pra trazer pro seu processo criativo. Quando Lipovetski fala isso, é verdade. Por a moda ser um fenômeno da modernidade, do século XX pra cá, é quando começa a ter leitura. Existem três grande obras sobre o tema: Filosofia da Moda, do sociólogo alemão Georg Simmel, Sistema da Moda, do semiólogo francês Roland Barthes e mais da nossa época, dos anos 1980 pra cá, O Império do Efêmero, de Gilles Lipovetski.
OP – E quem seria uma autora para quem quer começar a entender moda pelo viés do pensamento social?
Tarcisio – Tem uma autora que atua diretamente com a moda, chama Sue J. Jones, ela publicou Fashion Design: manual do estilista, é um livro muito didático, bem ilustrado, pra quem estuda e se interessa por moda é uma dica muito boa. E Moda do Século, de Francois Baudot que também explica o percurso da moda no século XX, e aborda o tema de maneira bem clara, bem didática.
OP – Uma das teorias muito questionáveis pelos autores é a de que a moda se caracteriza pela competição de classes. Qual a principal brecha dessa teoria?
Tarcisio – Se você fizer um mergulho histórico vai perceber que essa teoria de pensar a moda como diferenciação de classe existia de fato. Em momentos passados, na primeira metade do século XX a gente conseguia perceber e a aplicar essa teoria. Mas na segunda metade do século XX pra cá, sobretudo no final século XX, começamos a ter uma contaminação, e essa ideia de cópia das classes privilegiadas elite começa a se esvaziar. A moda hoje é muito mais comportamental do que fenomeno da rua, tribos urbanas que começam até a influenciar a alta-costura. Então, você perde um pouco essa forma de pensar, ainda tem um pouco, mas não é a base da moda contemporânea a repetição da classe privilegiada.
OP – O que é o grande aspiracional dos dias de hoje?
Tarcisio – Na nossa realidade, na cultura brasileira, entendo que esse aspiracional de desejo de consumo é a busca pela identidade, que nós somos muito perdidos ainda. Está mais ligada a fetichização e a cultura popular. Maior exemplo emblemático é a telenovela, querendo ou não tem um índice muito alto que influencia diretamente a moda, tem leve viés estético, a telenovela tem essa força.
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Editora: Texto & Grafia