Publicado no Jornal OTEMPO em 19/06/2011
TARCÍSIO D´ALMEIDA
A mesma inquietação que me impulsionou para o projeto no qual venho desenvolvendo, desde os anos 1990, uma série de entrevistas com intelectuais que pensam (ou pensaram) sobre a moda talvez sirva como uma possível explicação para o fato de que, mesmo em tímida expansão, estilistas estejam também se preocupando, refletindo e questionando o próprio campo de atuação deles, isto é, a moda sob prismas diversos. O resultado é percebido com a inclusão de profissionais formados em moda – quer seja em estilismo, em desenho de moda ou em design de moda – ou em áreas correlatas que se inserem em programas de pós-graduação de universidades prestigiadas para pesquisar o tema, o que me impulsionou a escrever esta coluna para homenagear tais profissionais que mesclam suas experiências criativas com as verves dos pensadores.
Portanto, temos quatro indícios iniciais: primeiramente, os estilistas autodidatas; em seguida, aqueles que estudaram moda na graduação; os demais com bacharelado em áreas afins; e, por último, os que pesquisaram na pós-graduação. Dito isso, a primeira que me vem à memória como um exemplo de autodidata é a italiana Maria Bianchi Prada, ou simplesmente Miuccia Prada. Muito antes de pensar em atuar no mundo da moda, Miuccia, que herdou do avô os negócios da família, estudou ciência política, foi militante do Partido Comunista italiano e se doutorou, no ano de 1978, também na mesma área, ou seja, distante do brilho e do glamour do mundo da moda. Ou seja, uma cientista política que não estudou moda, mas migrou para tal universo criativo.
Diferentemente dela, quatro nomes brasileiros ilustram outras realidades: a de egressos da área de moda, de comunicação e de artes; quer seja na graduação, quer seja tendo-a como tema de pesquisas na pós-graduação. A paulista Suzana Avelar graduou-se em desenho de moda pela Faculdade Santa Marcelina e, em seguida, obteve os títulos de mestre (com a pesquisa “A Comunicação da Moda na Era da Globalização”, em 2000) e de doutora em comunicação e semiótica (com a tese “Moda: entre Arte e Cultura”, em 2005), ambas pela PUC-SP.
Atualmente, é professora do curso têxtil e moda da USP. Com ela, temos o hibridismo de criadora e pesquisadora que, mesmo não atuando diretamente na indústria criativa da moda, tem contribuído com a mesma na academia.
O estilista carioca Mario Queiroz, que recentemente decidiu trocar a moda masculina pela feminina, graduou-se em comunicação social, jornalismo, pela UFF. Mas, em sua pesquisa de mestrado em comunicação e semiótica (intitulada “O Herói Desmascarado: Análise dos Editoriais de Moda da Arena Homme Plus”), defendida em 2008 na PUC-SP, onde está atualmente realizando o doutorado “A Imagem do Homem: Moda e Mídia na Construção do Masculino”, decidiu olhar academicamente para sua realidade profissional, isto é, a moda masculina e a transportou para a academia, na qual tem pesquisado a relação do homem com sua imagem e sua moda. É também professor do IED São Paulo.
Outros estilistas pensadores são os mineiros Gustavo Lins e Angélica Oliveira Adverse. Ele é arquiteto pela UFMG; autodidata único a desfilar na Semana de Moda Alta Costura de Paris; defendeu mestrado em 1989 na Universidade da Catalunha (Espanha) e é professor da Escola Nacional Superior de Artes Decorativas de Paris.
Ela, que sempre se questionou sobre a essência de sua formação, é a única brasileira vencedora das etapas nacional e internacional da extinta premiação Smirnoff International Fashion Awards; especialista em filosofia e, no início deste mês, defendeu seu mestrado em artes (com o título “Moda, Moderna Medida do Tempo”, a partir de frase homônima do filósofo Walter Benjamin), ambas titulações pela UFMG; além de ser professora da universidade Fumec.
Tarcísio D´Almeida é professor e pesquisador do curso design de moda da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (EBA-UFMG). Ele divide este espaço com Susanna Kahls e Jack Bianchi. (tarcisiodalmeida@eba.ufmg.br)