Flertes entre moda e arquitetura

Nascido nos anos 20, o art déco trouxe ares de modernidade para as ornamentações arquitetônicas de BH. Muitas décadas depois é a vez do traçado figurar como uma das macrotendências para o verão 2012

Publicado no Jornal OTEMPO em 04/09/2011

MARIANA LAGE

A cada nova estação, estilistas e suas equipes vão em busca de inspiração em diferentes épocas do passado. Referências se proliferam a cada seis meses alimentando o público com pitadas de estilos que habitaram as cabeças de artistas e fizeram história, desde os tempos mais remotos (Grécia e Roma antigos) e imemoriais (arte rupestre) ao pretérito mais recente, como o século XX e suas vanguardas artísticas.

Este verão parece ser a vez de resgatar um pouco do estilo arquitetônico das décadas de 1930 a 1950, que influenciaram fachadas de prédios e palacetes ao longo de toda a paisagem belo-horizontina, além de outras cidades como Rio de Janeiro, Nova York, Miami e Paris. As linhas modernistas do art déco saem das construções e estruturam coleções de primavera/verão 2012 de marcas brasileiras como Barbara Bela, Patachou, Acquastudio e Priscilla Darolt.

Segundo o arquiteto e professor da Universidade Federal de Minas Gerais, Leonardo Castriota, a arquitetura predominante desse período recebia originariamente o nome de estilo moderno. “O termo veio da Exposição Internacional de Artes Decorativas de Paris (de 1925) e foi o primeiro estilo que procurou fazer a aproximação entre arte e indústria”. O traço principal do déco está no viés extremamente moderno e, segundo Castriota, pode ser identificado com mais clareza na ornamentação, essencialmente geométrica. “O déco cria uma nova linguagem ornamental e trabalha muito com a ideia de industrialização”. Uma modernidade imaginada que exalava tanto no estilo quanto na mentalidade daqueles que viveram esses anos entre 1930 e 1950, evidenciados no seriado norte-americano Flash Gordon e no frenesi aristocrático com os primeiros dirigíveis.

“Hoje, o moderno ficou muito associado ao estilo à lá Niemeyer. Para se ter uma ideia dessas diferenças de direções, existem duas igrejas em Belo Horizonte do mesmo período, os anos 40. Uma é a Igreja de São Francisco de Assis, de Oscar Niemeyer, na Pampulha, e a São Francisco de Chagas, no Carlos Prates”, exemplifica. “O estilo déco não é a concepção de modernidade que prevaleceu e durante muito tempo foi considerada arquitetura de segunda. Inclusive, ocorreu na cidade um processo de demolição massiva. Contudo, a partir dos anos 90, o estilo voltou a ser valorizado e os exemplares, recuperados”, complementa.

Inspiração para todos os gostos e estilos

Para a elaboração de sua nova coleção, a estilista Juliana Bocchese, da Bárbara Bela, iniciou a pesquisa a partir da busca de novos tecidos. “Estava doida para mudar a cara da coleção e acabei descobrindo o organza plissado”, explica. Como o tecido é bastante geométrico e dá um caimento mais solto no corpo, explica a estilista, a influência do estilo art déco veio como uma etapa natural no processo criativo. “As coisas surgiram naturalmente e até por forças da contingência”, conta. A partir dos geometrismos e da silhueta mais livre, foi apenas uma questão de tempo para Juliana rememorar a época em que as mulheres se libertaram dos espartilhos e as roupas perderam a rigidez.

Na coleção de Priscilla Darolt, o déco surgiu através do resgate dos loucos anos 20 e do visual da dançarina Josephine Baker. Com cores mais fechadas, como preto-fosco, cinza e amarelo-claro, as construções da coleção vem em formas simples, retas e alongadas.

Já a grife Patachou escolheu o edifício Biarritz, da capital carioca, para desenvolver sua proposta. Construído na década de 40, o prédio alia o glamour do art déco francês ao tropicalismo da praia do Flamengo. Mais colorido do que as formas arquitetônicas vistas por aqui, o Biarritz traz também o mesmo rigor geométrico e a suntuosidade nos materiais como metais nobres, mármore e madeira de lei. Na coleção, tais materiais aparecem na forma de sedas, cetim, renda e tecidos com piquê e casa de abelha, dando textura e relevo às estampas.

Destacada por especialistas como uma coleção cubista, a Acquastudio apostou no forte geometrismo e em peças estruturadas. Trapézio e losangos surgiram também em tecidos mais esvoaçantes. Contudo, as formas mais curvas do déco ficaram de fora. Na época do desfile, Glória Kalil considerou que a estilista da marca, Esther Bauman, errou a mão e não fez jus as formas harmoniosas do período áureo moderno. (ML)

Reconheça o estilo nas ruas

Quer conhecer pessoalmente as linhas que caracterizam o estilo art déco? Faça um tour pela cidade!

Cine Brasil (Praça Sete)
Construído em 1931, o prédio se apresenta como um transatlântico atracado na praça. Com suas linhas e curvas futuristas, o Cine Theatro foi precursor dos primeiros arranha-céus na cidade.

Pirulito (Praça Sete)
O obelisco em Homenagem ao Centenário da Independência foi inaugurado em 1924 e faz parte do conjunto de prédios com ares modernistas na Avenida Afonso Pena.

Edifício Acaiaca (Avenida Afonso Pena, 867)
Inaugurado em 1943, o edifício traz dois rostos indígenas com traços astecas, outra influência forte no estilo art déco. Lá já foi um grande centro comercial de BH.

Edifício Sulamérica e Sulacap
Concluídos em 1947, as construções faziam um “jogo urbanístico” com o Viaduto de Santa Tereza. Hoje, a visão foi comprometida por inúmeras descaracterizações.

Viaduto Santa Tereza (Região Central)
De 1929, o viaduto foi projetado pelo engenheiro modernista Emílio Baumgart.

Ed. Chagas Dória (Rua Sapucaí, 571)
Atual Fundação Municipal de Cultura, o prédio foi construído nos anos 30 e tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado em 1988.

Prefeitura Municipal (Avenida Afonso Pena, 1212)
Com projeto de Luís Signorelli, a construção da prefeitura foi realizada em 1935.

Palacete Dantas (Praça da Liberdade, 317)
De 1916, o palacete já abrigou durante anos a Secretaria de Estado de Cultura.

Minas Tênis Clube (Rua da Bahia, 2244)
A sede social do clube foi inaugurada em 1939.

Colégio Izabela Hendrix (Rua Espírito Santo, 2055)
Na entrada do edifício, há a inscrição do ano em que foi concluído: 1940. Elementos art decó estão presentes na sua fachada e internamente.

Palacete Jeha (Avenida Brasil, 1433)
De 1934, a construção é um dos exemplares mais bem conservados do estilo déco remanescentes na cidade. Hoje, abriga um escritório de advocacia.

Um comentário em “Flertes entre moda e arquitetura”

  1. A moda reflete
    sobre a cultura de um povo , porque nos vestimos diferente de nossos antepassados.
    A roupa tem acompanhado o homem deste o início de sua evolução.
    Maria Geralda
    Estilista e Fifurinista, design de moda.

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