TARCISIO D´ALMEIDA
Publicado no Jornal OTEMPO em 11/03/2012
Dois nomes edificam o que atualmente compreendemos como comunidade intelectual da moda no Brasil. Primeiramente, a paulista Gilda de Mello e Souza (ver artigos : 1, 2, 3) é a pensadora que produziu, na USP, a primeira tese com foco central nas reflexões sobre a moda. Outro nome é o do sociólogo pernambucano Gilberto Freyre, o pensador que, mesmo não tendo se dedicado ao tema em nenhum de seus estudos para obtenção de títulos (mestrado e doutorado), produziu uma série de artigos que foram publicados na grande imprensa e que versavam sobre os embates entre as imposições dos estilos estrangeiros na sociedade brasileira e os jeitos naturais da brasilidade e, ainda, como estes contribuem para a construção das nossas identidades, modas e estilos próprios.
A sociologia de Freyre se debruçou sobre as questões das modas e dos modos tanto de mulheres quanto de homens da sociedade brasileira, em especial, a partir do fim do século XIX, sobretudo, durante a primeira metade do século XX. Mas não somente as modas e os estilos. Os corpos, a morenidade e o processo de higienização decorrente da utilização de matérias-primas mais adequadas à realidade climática brasileira também ganharam destaques nas observações do pensador. Nesse sentido, Freyre direcionou sua reflexão para o entendimento do que poderíamos chamar de moda “Made in Brazil”.
Essa compreensão – ou melhor, essa defesa – do nosso “savoir faire” é o eixo condutor da obra “Modos de Homem & Modas de Mulher”, compilação dos artigos publicados na grande imprensa e que foram editados em formato de livro em 1987, com segunda edição em 2009. Essa obra reconstrói o percurso intelectual do autor, levantando os conceitos propostos por ele para “moda”, “estilo” e “comportamento” e como esses se relacionam com as complexas redes estabelecidas entre os indivíduos na sociedade brasileira. Portanto, noções de fruição estética e cultural são propostas essenciais sugeridas nos artigos de Freyre para entendermos as implicações das modas e dos estilos da época e seus reflexos sociais e culturais.
Como escrevi em um artigo para o V Colóquio de Moda, “se o pensamento sociológico do alemão Georg Simmel, com a publicação de seu ensaio “Philosophie der Mode”, em 1904, é sinônimo de estudo clássico da moda, as abordagens de Freyre adquiriram uma sinonímia em relação às questões referentes não só à moda e ao estilo, mas também aos modos; e a como todos se relacionam e coexistem tanto em homens como em mulheres. Mas não são quaisquer homens e mulheres e, sim, brasileiros e brasileiras e, o que é mais crucial na obra, as relações que se constituem a partir das dinâmicas sociais, culturais e de identidades do Brasil, em um momento, e do Nordeste, em um segundo estágio de reflexão, além de suas demandas tropicais e de clima”.
Mas é preciso lembrarmos que, antes mesmo de publicar “Modos de Homem & Modas de Mulher”, Freyre sinalizou a importância para os vestuários e os padrões estéticos de comportamentos da sociedade. Em sua obra-prima, “Sobrados e Mucambos”, dedicou especial atenção ao vestuário feminino, às barbas masculinas e ao dimorfismo sexual. O historiador Peter Burke nos lembra, em um artigo para o “Caderno Mais!”, da “Folha de S. Paulo” (12/3/2000), outros tópicos essenciais em Freyre: “Seu interesse na história das roupas estendia-se dos trajes formais dos moleques oitocentistas aos turbantes das escravas negras”.