Arte do anticotidiano

Pesquisa desenvolvida na Belas-Artes usa tecnologia para produção compartilhada que interfere no espaço urbano

Itamar Rigueira Jr.

 

A atriz Érica Rabelo em cena do vídeo sobre Lugares invisíveis: cidade como jogo

A atriz Érica Rabelo em cena do vídeo sobre Lugares invisíveis: cidade como jogo

As exposições que reúnem projetos aliando arte e tecnologia se multiplicam, e com elas experiências fascinantes. Mas há quem se decepcione com boa parte do que encontra – e não são apenas os puristas, defensores das formas artísticas tradicionais. O designer de interação Koji Pereira, que acaba de concluir seu mestrado no Programa de Pós-graduação em Artes na Escola de Belas-Artes, considera que essa união se desenvolve quase sempre muito rapidamente, e cede ao fascínio fácil exercido por tudo que é novo. “Em muitos casos o que se faz é simplesmente explorar as possibilidades da tecnologia, sem provocar a participação do público”, critica Koji.

Em sua pesquisa, que gerou duas experiências artísticas, ele parte de estudos em torno da intervenção urbana e da cultura hacker. A proposta de arte que intervém na cidade critica a faceta mecanizada da vida cotidiana e uma visão funcionalista do espaço urbano, na linha conceitual de Henri Lefebvre e de Guy Debord e sua teoria das derivas (procedimentos que estudam as ações do ambiente na emoção e na psique das pessoas).

O trabalho Lugares invisíveis convida as pessoas a utilizar um aplicativo para celular e a gravar mensagem em áudio associada a determinado local. O objetivo, segundo Koji Pereira, é que os usuários “experimentem a cidade como um jogo, traçando percursos que oferecem histórias, memórias, comentários a respeito de prédios, árvores, monumentos”. Ele defende que o artista use a tecnologia para criar um processo compartilhado, atuando como um agenciador, permitindo que outras pessoas coproduzam a obra e confiram significado a ela.

Para a obra Lugares invisíveis (www.lugaresinvisiveis.com), Koji elaborou os mecanismos de interação e contou com participação do desenvolvedor Cláudio Fernando Pinto, que trabalha na produção de aplicativos. A primeira versão foi feita para o sistema Android, e agora a dupla adapta o aplicativo para Iphone.

O pesquisador considera os resultados mais que satisfatórios. “Divulgamos o trabalho com anúncios no Google, no Facebook e em peças para celular, e já foram feitas diversas gravações, principalmente na Europa e no Oriente Médio, além do Brasil”, conta Koji Pereira, ressaltando que as participações são anônimas, o que elimina questões relacionadas à privacidade.

Código aberto

O projeto para celular tem código-fonte aberto, ou seja, qualquer pessoa ou instituição pode copiar ou recriar o sistema, seja qual for o objetivo. A única condição é que sejam mantidos os códigos disponíveis para novas recriações. “Ainda há muito que aprender sobre arte e tecnologia, por isso é importante saber lidar com a ideia de compartilhamento”, afirma Koji Pereira.

No outro trabalho que compõe a dissertação, Vídeo interface 1, Koji criou uma caixa de eucatex com um netbook e uma webcam. O usuário introduz, por exemplo, um objeto ou a própria mão e produz movimento, e o software grava arquivo de vídeo que imediatamente passa a ser transmitido em looping (a tela de netbook fica visível).

O vídeo é substituído assim que outra sequência de imagens é gravada. O protótipo, já exibido na mostra Interarte, no Rio de Janeiro, foi produzido quando o pesquisador frequentou a disciplina Arquitetura como Interface, com apoio da equipe do Lagear, laboratório da Escola de Arquitetura que estuda as relações desse campo com as novas mídias.

Na visão do professor da Escola de Belas-Artes Carlos Henrique Falci, orientador da dissertação, a pesquisa tem o mérito de propor, para o celular e para os sistemas de geolocalização, aplicação menos funcional e mais poética, fazendo também com que as pessoas usem a tecnologia como motivação para sair de casa e conhecer a cidade. Além disso, acredita ele, esse gênero de trabalho tem potencial para ampliar as relações da Escola de Belas-Artes com outras áreas, como a Arquitetura e a História. “Isso mostra que a arte não está apenas nos lugares autorizados, como museus e galerias, e que interfere na paisagem urbana e na vida social”, salienta.

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Dissertação: Relações entre a cultura hacker e a intervenção urbana
Autor: Koji Pereira
Orientador: Carlos Henrique Falci
Programa: Pós-graduação em Artes
Defesa: 3 de agosto

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