por Maddalena d’Alfonso
Giorgio de Chirico assume como universo simbólico de sua busca artística a cidade e seus cenários arquitetônicos, entre os quais coloca, de maneira ponderada e erudita, figuras, imagens, esboços e objetos quase como elementos alógenos que, justapostos, aludem ao enigma da modernidade.
Para de Chirico, a modernidade é precisamente um novo classicismo; é desejo de um mundo novo, onde se possa agir livremente e livremente se deixar dominar por sentimentos humaníssimos, pelo medo, pela coragem; um mundo onde a liberdade de agere et pati [agir e sofrer] sublime a percepção opaca e desordenada do espaço em visões límpidas e lacônicas.
A ideia de uma humanidade renovada, de um “homem novo”, que naqueles anos ia transformando a concepção do mundo, aplicando às artes uma insólita matriz interpretativa – na poesia, por exemplo, com Guillaume Apollinaire; na música, com Alfredo Casella; na cenografia, com Adolphe Appia; e na arquitetura, com Le Corbusier –, se confronta em de Chirico com uma única e pálida certeza: o sedimento da cultura na história e na civilização, o único que não se possa recusar, se consolida essencialmente na arquitetura, porque ela representa para o indivíduo a dimensão civil, exprimindo-se com maior evidência na praça urbana.
Esta de fato define o lugar ideal – seja ele foro, templo, pórtico, torre, sala – em que, segundo de Chirico, nos apropriamos da modernidade, seguros de uma consciência nova, ou seja, de sermos capazes de procurar respostas não só com a razão e seus ordenamentos regulados, mas também com a sensibilidade e com a poesia, entendida como poiesis, isto é, ato criativo.
Entretanto, a enigmática modernidade de de Chirico, na qual certamente se percebe um eco nietzschiano, não delineia um mundo ideal, abstrato, metafísico, de verdades absolutas, mas substancia o fulcro de uma investigação artística que escancara ao nosso olhar a visão de uma realidade cíclica, mutável e ainda assim constante, como que suspensa no tempo dos eternos retornos, propondo-a como fundamento de um conhecimento comum.
O espaço urbano, indagado e examinado ao longo de toda sua obra, dos anos de juventude ao retorno final aos temas da metafísica, se manterá como território por excelência do enigma, da dúvida e do assíduo interrogar-se humano, argumento que serve de trânsito da arte do passado, investigada na reatualização, entre outros, de Dürer e Rubens, dois de seus muitos mestres, à arte moderna, abrindo novas perspectivas de pesquisa.
A visão do mundo de de Chirico, em que a vivência pessoal é indissociável da construção do espaço urbano, torna sua experiência artística ainda hoje muito atual e próxima de nossa sensibilidade.
De fato, isenta como é das sugestões psicanalíticas próprias do surrealismo, ela propõe o confronto com a eloquência nítida de lugares arquetípicos, sólidos, definidos, restituindo assim ao sujeito aquela centralidade que, transmitida pela tradição clássica, é herdada pelas novas vanguardas, e também está na base de experiências mais próximas ao nosso tempo, como a dos situacionistas; com efeito, eles identificam justamente na cidade o pressuposto de uma reforma do sentir comum, que tenha como fundamento a inventividade do sujeito ativo.
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Para mais textos desse pintor, acesse o catálogo online da exposição ocorrida de 20 de março a 20 de maio de 2012 na Casa Fiat de Cultura e de 31 de maio a 12 de agosto de 2012 no Museu de Arte Moderna Assis Chateaubriand / MASP!