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O jornalismo de moda

TARCISIO D´ALMEIDA
Publicado no Jornal OTEMPO

Desde a invenção da imprensa por Gutenberg, no século XVII, a humanidade testemunhou as mudanças de tipologias e categorias no fazer jornalístico. Inicialmente, ainda no mesmo século e no século XVIII, a característica essencial dos textos publicados em jornais e revistas era a do jornalismo opinativo; em seguida, no século XIX, passamos para o jornalismo informacional; já o século XX foi demarcado pelo jornalismo interpretativo e, agora, no início do XXI, vivenciamos o jornalismo diversional (ou de entretenimento). Esse resgate histórico serve para entendermos as transições da noção de relatos de costumes, via escritores, para a de imprensa feminina e, depois, para o jornalismo de moda propriamente dito.

jornalismo de modaO jornalismo de moda é uma especialização da profissão de jornalista relativamente nova. Ou, dito de outra forma, é resultado direto da modernidade e que alcança seu apogeu na contemporaneidade. É com a indústria da moda (do prêt-à-porter), ou seja, e não só com a indústria têxtil que já havia se desenvolvido, de certo modo, desde a época da Revolução Industrial, que o jornalismo de moda se expandirá e conquistará espaços nos veículos de comunicação. É com o prêt-à-porter que o jornalismo de moda encontra seu ápice enquanto cobertura jornalística. Por conta dos calendários fixos de desfiles, a moda abre as portas ao novo gênero de criação-produção-consumo. Falar de jornalismo de moda é o mesmo que falar das relações psicossociais e axistentes entre roupas e palavras. Ou seja, abordar e transpor a verve criativa das coleções dos criadores de moda em notícia, produto ideológico por excelência do jornalismo.

Uma das funções essenciais do jornalismo de moda é, além de informar com ética, traduzir os conceitos de moda para os leitores, telespectadores, internautas. Daí a leitura da moda se processar em duas vertentes: textual e visual. Roland Barthes, no clássico “Sistema da Moda”, analisa a moda textual, ou seja, os textos publicados em jornais e revistas do final da primeira metade do século passado. Se, conforme conceitua Clóvis Rossi, no introdutório “O Que É Jornalismo”, “o jornalismo, independente de qualquer definição acadêmica, é uma fascinante batalha pela conquista das mentes e corações de seu alvos: leitores, telespectadores ou ouvintes”, então, podemos afirmar que o jornalismo de moda seria, portanto, um convite à fruição dos produtos de mídia que, ao atribuírem uma dosagem sinestésica de texto e imagem, conquistam o seu leitor verbo-imagético pelo campo do estético-informacional. Esse raciocínio encontra-se na pioneira dissertação de mestrado “Das Passarelas às Páginas: um Olhar sobre o Jornalismo de Moda”, defendida por este colunista no ano de 2006, na ECA-USP.

Coincidentemente, tanto a moda como o jornalismo compartilham da mesma fugacidade em relação ao tempo. Este passa a ser o elemento sobre o qual se erguem todas as dinâmicas entre assistir, testemunhar, um acontecimento e noticiá-lo, isto é, publicá-lo nas páginas impressas e virtuais ou ainda transmiti-lo pela TV, rádio e internet. Portanto, o que constitui a notícia jornalística de moda, ou seja, que tipo de acontecimento a gera, é o compartilhamento por ambos os campos da efemeridade e da dinâmica do tempo que rege a produção e publicação de notícias de moda. Esta pode ser reportada a partir de vários matrizes no corpo de uma mídia jornalística (reportagem, entrevista e crítica, entre outros), em especial, a impressa.

TarcísioTarcisio D´Almeida é professor e pesquisador do curso Design de Moda da Escola de Belas Artes, da Universidade Federal de Minas Gerais (EBA-UFMG). tarcisiodalmeida@eba.ufmg.br. Ele divide este espaço com Susanna Kalhs e Jack Bianchi.

Estilista Valentino Garavani lança museu virtual com suas coleções – artigo e vídeo

Aplicativo do museu pode ser baixado na internet  e usa tecnologia 3D para mostrar a história de seu trabalho

 São Paulo – Pela primeira vez, um estilista de fama internacional abre seus desenhos e criações na internet. Valentino Garavani, em parceria com Giancarlo Giammetti, lançou hoje o “Valentino Garavani Virtual Museum”, um aplicativo online que traz os melhores trabalhos feitos durante seus 50 anos de carreira.


O museu demorou mais de dois anos para ficar pronto e não contou com patrocinadores, a não ser o próprio estilista e Giammetti. Já disponível online, o espaço virtual mostra os detalhes de mais de 300 vestidos, que podem ser vistos em 360 graus. Isso é possível porque as galerias foram projetadas com tecnologia 3D, em que o usuário pode “caminhar” pelos corredores e ver tudo como se estivesse em um espaço físico real.

Além dos vestidos, há ainda 95 vídeos e mais de 5.000 fotos, desenhos, documentos e campanhas publicitárias, tudo acompanhado com explicações e o histórico dos modelos. Para aproximar ainda mais o internauta da realidade, os espaços são decorados pela arquitetura romana. Se fosse instalado em um prédio real, o “Valentino Garavani Virtual Museum” teria cerca de 10.000 metros quadrados.

Na coletiva de imprensa realizada para o lançamento do museu, Valentino, aposentado desde 2008, disse que, apesar de precisar de ajuda até mesmo para ligar um aparelho de DVD, pouco a pouco, mudou seu pensamento e começou a ficar fascinado pelo mundo virtual. Hoje, reconhece que esse museu pode ser uma ligação mais simples e rápida com as pessoas.

Ele ainda deixou um recado para quem se interessa e estuda moda. “Eu sei que há muitos estudantes de moda nos assistindo agora e eu espero que vocês gostem do museu, como eu gosto agora”. O aplicativo é gratuito e pode ser baixado no site do estilista.

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Reportagens transmitidas pela TV fechada

Valentino completa 50 anos de carreira e lança museu virtual de moda

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Valentino completa 80 anos nesta sexta-feira (11-05-2012)

alexander McQueen, o gênio da moda

Alexandre Romero

L’enfant terrible, ou “o hooligan da moda inglesa”, como muitas vezes é apelidado. Alexander McQueen é o derradeiro gênio da moda, entre loucura e sanidade, fragilidade e força, tradição e modernidade, fluidez e severidade, a sua obra continua a quebrar barreiras e a elevar-se a um outro nível.

Em menos de dez anos, Alexander McQueen, tornou-se um dos mais respeitados criadores, tendo até sido director criativo da casa de alta-costura parisiense, Givenchy, que deixou em 2001 para trabalhar na sua própria marca, homónima. Desde então, faz história com os seus desfiles, unindo a excelência da alfaiataria britânica, a execução perfeita da alta-costura francesa e o impecável acabamento italiano. O seu trabalho tem descrito uma espiral ascendente no mundo da moda, pela justaposição de elementos contraditórios, resultando em colecções únicas, de crescente poder emocional e energia crua, pura paixão.

Nascido em Londres, a 17 de Março de 1969, filho de um taxista, o mais novo de seis, Alexander começou por fazer vestidos para as três irmãs e, ainda jovem, anunciou que queria ser criador de moda. Deixou a escola aos 16 anos e logo se tornou aprendiz de grandes mestres na execução técnica de vestuário, como Anderson & Shephard ou Gieves & Hawkes. Daí passou para os teatrais Angels & Bermans, onde aprendeu os segredos do corte, desde o melodramático século XVI, até ao design sóbrio que se tornou a sua imagem de marca.

Aos 20 anos trabalhou com o designer Koji Tatsuno, cujo trabalho tem também raízes britânicas, e um ano depois viajou para Milão, onde foi assistente do designer Romeo Giglis. Finalmente, em 1994, voltou a Londres, onde se estabeleceu e completou o mestrado em Design de Moda na prestigiada Saint Martins College of Art and Design. A sua coleção de graduação foi comprada na totalidade pela famosa estilista Isabella Blow.

As duas colecções mais recentes, “The Horn of Plenty” (O Corno da Abundância) e “Plato’s Atlantis” (Atlântida de Platão) são mostras da mais pura natureza contemporânea e do gênio negro de McQueen. A primeira, traduz a visão do criador sobre o consumismo e a industrialização, transformando objectos comuns em acessórios prodigiosos, numa ode à reciclagem e reutilização. A segunda, é o epíteto da vanguarda da moda, quer pela elaboração técnica do desfile, em que dois robos se apresentam no meio da passarela e transmitem o desfile em direto para todo o mundo, quer pela beleza da colecção em si. Sob o mote da actualidade, dos problemas ambientais e da mudança, a coleção relembra para a necessidade de adaptação humana às novas condições ambientais, e propõe que o futuro possa estar no fundo o oceano.

A arquitetura das peças, o corte, texturas, cores e padrões, a maquiagem, os cabelos e os sapatos (os modelos mais fantásticos que o mundo já viu!) estão em comunhão entre si e com a Natureza. A primeira série é composta por estampas caleidoscópicas que criam um efeito simétrico nos looks, cheios de padrões animais e texturas orgânicas, a segunda série representa a descida ao mar profundo onde as peças são fluídas como água e as modelos se transformam em criaturas marinhas, alienadas. Verdadeiramente indescritível!

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A moda tem Iris van Herpen

Publicado no Jornal OTEMPO em 29/01/2012

TARCÍSIO D´ALMEIDA

A moda (re)nasce e justifica sua existência a partir do princípio do novo. Portanto, ela nasce e, automaticamente, já anuncia sua própria morte a cada estação. Esse automatismo é ditado por regras daquilo que compreendemos como calendário, o qual força as criatividades a se adaptarem às regras das divisões de etapas por meses, segundo a linha produtiva dos mercados.

Se pensarmos no princípio da busca constante pelo “novo”, precisaremos nos lembrar ainda de quem propicia esse “novo” à moda. Responsável por tal tarefa, o estilista é o ator principal na trama que mescla ideias, desejos, matérias-primas, temas, interpretações e indivíduos.

Esse “mélange” constitui o fenômeno moda, que gera, em boa medida, o fascínio pelo que produz no inconsciente das pessoas, quando geralmente se deparam com uma produção extremamente rebuscada no quesito inventividade. E é esse fundamento que busco ao assistir aos desfiles, seja o das semanas de moda, seja o de formandos em moda. E lhes aviso que é importante nos atentarmos para outros países, como os nórdicos e bálticos, por exemplo, pois o fundamento das capitais da moda, que é hegemônico, começa a conviver com uma nova realidade: a da expansão dos novos cenários criativos.

E o mundo já testemunhou esse novo desenho quando os belgas dominaram a moda com suas propostas estéticas minimalistas nos anos 1990. Agora um nome proeminente tem despertado bastante minhas atenções. O nome dela é Iris van Herpen, uma jovem criadora e ex-aluna de design de moda da Artez, prestigiada instituição de ensino de Arnhem, na Holanda. O desfile début de sua marca foi em 2007. Na recente carreira, ela estagiou com Alexander McQueen, em Londres, e com Jongstra Claudy, em Amsterdã. E o que mais tem me hipnotizado com as visões de moda de Iris é como cria uma reciprocidade impressionante entre o fazer artesanalmente com inovações nas técnicas e materiais que ela emprega. Sem medo e excesso, poderíamos dizer que a ausência e a sensação de vazio na moda, geradas pelo suicídio do visionário Alexander McQueen, começam a ser preenchidos pela nova verve criativa de Iris van Herpen.

A riqueza no seu processo criativo está fundamentada em um princípio essencial aos autênticos criadores: o da autoria artística. “Para mim, a moda é uma expressão de arte que está muito próxima e relacionada a mim e ao meu corpo. Eu a vejo como minha expressão de identidade combinada com desejo, humor e ambiente cultural”, explica a estilista.

Quando Iris van Herpen nasceu, no ano de 1984, os japoneses começavam a dominar a cena fashion parisiense. Coincidência ou não, é em Paris, hegemonicamente na Semana de Moda Alta Costura, que Iris tem mostrado suas criações. Ela já produziu nove coleções, desfiladas em 15 semanas de moda, já recebeu seis prêmios, além de ter sido tema de 28 exposições com seus trabalhos de moda-arte. Com Iris van Herpen confirmamos que regras normais não se aplicam aos verdadeiros criadores. Ou, como ela nos explica, “com o meu trabalho, pretendo mostrar que a moda pode certamente ter um valor para o mundo, que é atemporal e que o seu consumo pode ser menos importante. Vestindo-se roupas podemos criar uma forma muito excitante e imperativa de auto expressão”. Viva Iris!

Visite o site de Iris van Herpen : http://www.irisvanherpen.com/site/

Tarcisio D´Almeida é professor e pesquisador do curso design de moda da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (EBA-UFMG). tarcisiodalmeida@eba.ufmg.br. Ele divide este espaço com Susanna Kahls, Jack Bianchi e Lobo Pasolini

Moda : A formação e a direção criativa

TARCISIO D´ALMEIDA

Publicado no Jornal OTEMPO em 02/10/2011

Todas as carreiras têm suas definições, especificidades e destinações. E a moda ainda contempla uma outra noção de pertencimento: a de integrar o que os pensadores da atualidade definem como “indústria criativa”. Ela forma profissionais produtores de bens artísticos e estéticos, mas têm também forte apelo de mercado.

 O primeiro autor a observar essa relação da moda com a produção de mercadorias, além de ideais estéticos, foi o filósofo alemão Walter Benjamin. “A moda é filha dileta do capitalismo”, disse no final do século XIX, em Paris, ao produzir as reflexões que integram o livro “Passagens”. Foi ele quem enxergou o que muitos atualmente tentam explicar como duelo entre criação e mercado. Duelo este que, por sinal, direcionou a moda para uma viela em que as regras ditatoriais do mercado esmagam a liberdade autônoma e criativa. Sim, a moda não foge desse embate, pois é uma área que mescla as duas vertentes. Mas sempre penso (e defendo) que é possível ser conceitual. O verdadeiro criador de moda precisa ter assinatura, precisa ser autoral.

 Dito isso, podemos pensar especificamente sobre o aspecto criativo e sobre o profissional que se forma em moda. A própria definição do adjetivo para o profissional que atua na área tem se alterado na evolução histórica em decorrência direta de novas percepções sobre a indústria criativa da moda. Na época de criação da alta costura, nos anos 1860, era atribuído ao profissional o adjetivo de “costureiro”. Entramos no século XX e, a partir dos 1960, começa-se a nomear os criadores visionários do prêt-à-porter como “estilistas”. Por uma forte influência da língua inglesa e pelas maneiras de se interpretar o desenvolvimento do design no final do século XX, chama-se os criadores como “designers de moda”.

 E, recentemente, em plenos anos 2000, testemunhamos uma nova atribuição para quem cria e produz moda: a de “diretor criativo” e “diretor de estilo”. A papisa francesa do ensino de moda, Marie Rucki, sentenciou recentemente que “acabou a era das grandes estrelas da moda; a direção criativa é o grande futuro da moda”. É importante pensarmos sobre essa nomenclatura, pois ela é reflexo direto de uma nova compreensão das multiplicidades do campo. Para a primeira adjetivação, a de “diretor criativo”, compreende-se toda a configuração de uma nova realidade que contempla, além da noção de estilismo, a ideia de o profissional estar pronto para as adversidades e exigências que a carreira exige. Alguém com formação completa em direções conceituais de estilo, de imagem, de produção, dentre outras.

 Já a definição de “diretor de estilo” contempla, hegemonicamente, o profissional que concebe propostas conceituais de estilos de moda. O importante aqui é entendermos que a nova realidade da moda centra-se na questão da criação e como todos a interpretarão. De maneira que o passaporte para o sucesso no mercado que anda saturado de profissionais sem formação forte é o que costumo afirmar como olhar além das fronteiras da obviedade. É preciso enxergar onde não se vê e perceber que as novas sensibilidades demandam estratégias que devem ser, simultaneamente, criativa e mercadológica. Afinal de contas, moda deve ser sempre um exercício estético para a humanidade que a consome simbólica e mercadologicamente.

 Tarcisio D´Almeida é professor e pesquisador do curso Design de Moda da Escola de Belas Artes, da Universidade Federal de Minas Gerais (EBA-UFMG). tarcisiodalmeida@eba.ufmg.br