Arquivo da tag: Professores EBA

As roupas e o tempo

Em tese pioneira, professor da EBA aborda a relação entre moda e modernidade com base nas ideias de aparência e de gosto

Miroir d'apparence, criação do belga Nicolas Destino, que une moda e design de objetos
Miroir d’apparence, criação do belga Nicolas Destino, que une moda e design de objetos Acervo Nicolas Destino

“É possível pensar sobre a moda?” Esse foi o questionamento que motivou o ­professor Tarcisio D’Almeida, do curso de Design de Moda da Escola de Belas Artes, a empreender sua pesquisa de doutorado, defendida no fim do ano passado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Em As roupas e o tempo: uma filosofia da moda, o professor explora reflexões suscitadas pela moda e traça um histórico do que foi produzido por pensadores acerca do tema, ao longo dos séculos.

Sob orientação da filósofa Olgária Matos, Tarcisio guiou-se pela ideia que associa moda à produção estética e visitou as obras de filósofos como Montaigne, Montesquieu, Rousseau, Kant e Hegel para perceber como surgiu a relação da moda e da pulsão pelo vestuário com as noções de futilidade, efemeridade e frivolidade. O autor se aproxima também do pensamento de intelectuais como Walter Benjamin e Theodor Adorno para abordar a relação simbiótica entre a moda e a modernidade com base nas noções de aparência e de gosto.

“Ao nascer, a moda já preconiza a sua própria morte, por isso o eixo condutor da tese foi o tempo. O objetivo foi perceber como o homem, na evolução dos séculos, comportou-se em relação às roupas e à moda”, explica o professor. Ao alcançar os períodos da modernidade e da contemporaneidade, Tarcisio dedica-se à relação da moda com a cultura e com o consumo, apoiado em nomes como Lipovetsky e Baudrillard.

Leis suntuárias
Na tese, o professor trata a filosofia da moda entre os conceitos de literatura, arte, estética e fetichização de mercadorias sob perspectivas benjaminiana e frankfurtiana. Tarcisio relembra a criação das leis suntuárias, vigentes na Europa durante a Idade Média e no começo da Idade Moderna, para ilustrar como a pulsão pelo vestuário marca as sociedades há séculos. “Montaigne e Montesquieu produziram reflexões sobre as leis suntuárias, criadas para impedir a burguesia de copiar a estética indumentária da nobreza. Foi uma reação às primeiras tentativas de pessoas de classes inferiores se aproximarem esteticamente das classes superiores. A partir daí, as ideias de frivolidade e futilidade passaram a ser comumente associadas à moda”, diz Tarcisio.

Na conclusão do trabalho, o pesquisador aborda a aculturalidade da moda, que, por vezes, tira partido de apropriações indevidas, esvaziando patrimônios culturais de seu valor original. Como exemplo, ele cita a controvérsia em que a grife francesa Dior se envolveu, em 2017, ao copiar um colete bordado por artesãs romenas no distrito de Bihor – sem dar crédito nem remunerar a comunidade local – e comercializá-lo por 30 mil euros. Em resposta, as artesãs criaram a marca Bihor Couture, que brinca com o nome da grife e dá destaque ao artesanato romeno.

Essa história, segundo Tarcisio, mostra os limites entre o que a moda produz como cultura e a forma como ela se aproxima do acultural ao apropriar-se das raízes de um povo com finalidade comercial: “É possível pensar a moda contemporânea como um acontecimento que, por meio de práticas abusivas do mercado orientado pelo neoliberalismo econômico, ‘obriga’ o criador a oscilar entre a adequação do processo criativo em busca de traços culturais e o alinhamento à demanda exorbitante do mercado.”

Pioneirismo
A tese defendida por Tarcisio D’Almeida é um marco na pós-graduação em Filosofia na USP, pois foi a primeira que tem a moda como tema. O pioneirismo também marcou sua dissertação de mestrado, Das passarelas às páginas: um olhar sobre o jornalismo de moda, defendida em 2006, no Programa de Pós-graduação em ­Ciências da Comunicação da USP. Foi a primeira desenvolvida na universidade paulista sobre jornalismo de moda.

A tese do professor mantém estreita relação com o livro Moda em diálogos: entrevistas com pensadores, publicado em 2012. A obra é resultado de projeto desenvolvido desde a década de 1990 pelo pesquisador, que dialoga com referências ­contemporâneas sobre a moda como objeto de reflexão.

Dalila Coelho

Biblioteca Central recebe exposição de livros de artista

Amanhã, 30 de outubro, às 14h, será inaugurada a exposição O Mundo no Papel, na Biblioteca Central da UFMG, no campus Pampulha. A mostra reúne 135 livros de artista do acervo da Universidade e do acervo particular do professor e pesquisador da Escola de Belas Artes, Amir Brito Cadôr. As obras pertencentes a UFMG integram a única Coleção Especial de livros de artista no país a fazer parte de uma biblioteca universitária.

A visitação pode ser realizada até o dia 15 de dezembro, de segunda a sexta feira, das 9h às 17h. Duas vezes por semana, sempre as quintas e sextas-feiras, das 14h às 17h horas, o espaço da exposição irá se transformar em um gabinete de leitura e uma parte dos livros poderá ser manuseada pelos visitantes.

A exposição, além de ter a curadoria do professor da Amir Brito, também faz parte da defesa de sua tese de doutorado que acontecerá no dia 6 de novembro, terça-feira às 14h, na Biblioteca Central, no campus Pampulha. Com o título Enciclopedismo em Livros de Artista: um manual de construção da Enciclopédia Visual, a tese aborda temas como a coleção, a arte da memória, a leitura, a apropriação e o uso de imagens em livros de artista.

Os livros de artista podem ser considerados suportes para a realização de trabalhos artísticos e veículos para a expressão de experiências de espaço, tempo e movimento, entre outros.

Alguns livros de artista foram doados por seus autores especificamente para esta exposição e serão incorporados ao acervo da UFMG ao término da mostra. Contribuíram com doações os artistas Alec Finlay, Colin Sackett, Mark Pawson (Inglaterra), Claudia Jaguaribe, Edith Derdyk, Fábio Morais, Marilá Dardot, Michel Zózimo, Wlademir Dias-Pino (Brasil), Eric Doeringer, Scott McCarney (Estados Unidos), Hubert Renard (França), Hans Aarsman (Holanda), Jesper Fabricius (Dinamarca), Kristan Horton e Klaus Scherübel (Canadá).

Exposição O Mundo no Papel
Abertura da exposição: 30/10/2012, terça-feira às 14 horas, Biblioteca Central, campus Pampulha.
Defesa da tese: 06/11/2012, terça-feira às 14 horas, Biblioteca Central, campus Pampulha.
Período de exposição: de 30/10 a 15/12/2012
Horário de visitação: 9h às 17 horas
Gabinete de leitura: 14h às 17 horas, quintas e sextas-feiras
Informações: colesp@bu.ufmg.br ou pelo telefone: 3409-4615
Site: http://colecaolivrodeartista.wordpress.com/

Pensando moda: novo livro reúne entrevistas com intelectuais

Ariane Polvani

As livrarias ganharam um novo título para discutir moda e cultura. Assinado pelo professor Tarcisio D’Almeida, Moda em Diálogos: Entrevistas com Pensadores é composto por sete longas entrevistas com pensadores do meio – entre eles a historiadora americana e curadora do museu FIT (Fashion Institute of Technology), Valerie Steele, o filósofo francês e autor do clássico O império do efêmero, Gilles Lipovetsky e o embaixador da marca de joias H. Stern, Christian Hallot, único brasileiro da seleção. Completam a lista: os antropólogos Massimo Canevacci e Ted Polhemus, a socióloga Diana Crane, e o presidente da Federação Francesa da Costura, do Prêt-à-porter, dos Costureiros e dos Criadores de Moda, Didier Grumbach.

D’Almeida conta que escolheu os entrevistados a dedo. “São todos profissionais que admiro há muito tempo e que seguem praticamente a mesma linha de pensamento que eu”. Mesmo assim, o professor não nega que tenha suas preferências entre os intelectuais. “Sou fã do papo com Valerie, uma mulher que sabe mesclar psicologia com moda muito bem e tem referências ótimas. E com Lipovetsky, que tem uma maneira muito objetiva de pensar e conta com bagagem histórica enorme, mas consegue pensar moda no cenário contemporâneo como poucos”, diz.

Professor da Universidade Federal de Minas Gerais, ele diz ainda que a parte mais trabalhosa – e também a mais importante – ao reunir um material como esse está na hora de fazer as entrevistas. “É preciso se inteirar no assunto, ler o máximo possível sobre ele e sobre a fonte, para que os assuntos rendam. Se o entrevistado for um intelectual, então, a responsabilidade é dobrada”. Ele ainda dá sua recomendação para quem quer ser jornalista ou crítico de moda. “Costumo dizer que moda pela moda é empobrecida, ela precisa ser entendida como patrimônio cultural, que agrega assuntos como arte, música, teatro e cinema. Portanto, entender sua história e seu percurso é essencial, mas também ampliar as conexões, fazer links com os mais diversos temas”.

Publicado pela Memória Visual, Moda em Diálogos é o primeiro livro do autor, que já pensa em novos projetos. “Quero escrever o segundo volume do Moda em Diálogos e um outro em que as fontes serão os criadores. Vou mesclar estilistas, diretores de criação, maquiadores, fotógrafos e stylists, sempre brasileiros e estrangeiros, porque é assim que vejo a moda: sem fronteiras”, define.

Moda em Diálogos: Entrevistas com Pensadores
Tarcísio D’Almeida
Editora Memória Visual
140 páginas, R$ 30
www.memoriavisual.com.br

Publicado em 19.09.2012 na seção Boa Vida no site Chic. Disponível em : http://chic.ig.com.br/boa-vida/noticia/pensando-moda-novo-livro-reune-entrevistas-com-intelectuais

++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++

Veja também a matéria veiculada em jornais mineiros nos dias 06 e 07 de outubro divulgado no Clipping UFMG

Veículo: Estado de Minas – Belo Horizonte – MG – Caderno: Pensar
Página: 5
Publicada: Sábado, 06 de outubro de 2012

++++++++++++++++++++++++++=

Veículo: Estado de Minas – Belo Horizonte – MG – Caderno: Feminino
Página: 10
Publicada: Domingo, 07 de outubro de 2012

Conversações – Mostra de livros de artista na Biblioteca Universitária da UFMG

A partir de um conjunto de livros de artista de alunos, ex-alunos e professores da Escola de Belas Artes, pertencentes à coleção especial de livros de artista, foram escolhidos livros do mesmo acervo que pudessem de alguma forma fazer uma conversa, seja por semelhanças formais, temáticas ou até mesmo uma aproximação que acontece pelos títulos das obras.

Assim, os livros Neomonumentos, de Mario Azevedo e Brancusi no ar, de Marina Camargo, se aproximam pelas referências à escultura; o amor e o erotismo são tema dos livros de Paola Rettore e Marcelo Kraiser, Letícia Weidusthadt, Amir Brito Cador e Paulo Bruscky; alguns livros são autoreferentes, têm o livro ou a realização do livro como tema, caso de Iluminuras, de Marco Antonio Mota e Júlio Martins, que conversa com os livros de Mateo López, de Marilá Dardot e Fabio Morais.

O formato também pode ser um critério de aproximação, como o uso de jornal tablóide por Mabe Bethônico e Matheus Rocha Pitta; o uso de legendas como forma de alterar a percepção das imagens, presente em Night Visit to the Library, de Amir Brito Cadôr e nos livros de Michel Zózimo e Fernanda Gassen; o título aproxima os livros e também os projetos artísticos a que se referem, como no caso dos Lotes vagos, de Breno Silva e Louise Ganz, em relação ao Guia de Terrenos Baldios de São Paulo, de Lara Almarcegui.

Algumas vezes, os projetos só têm existência (ou são possíveis apenas) nas páginas do livro, como o Catálogo de projetos & realizáveis, de Paulo Nazareth, em conversa com os Corredores para Abutres, de Regina Silveira, e as invenções de Paulo Bruscky. Por fim, destacam-se livros que se aproximam por questionarem a noção de autoria da obra: os artistas que fizeram os livros atribuem a obra a uma outra pessoa que não existe: é o caso de Lucia Rosas, Duda Miranda e Marcelo do Campo, personagens conceituais, com biografia e curriculo próprios.

A coleção especial de livros de artista é a única no país a fazer parte de uma biblioteca universitária. Formada em novembro de 2009 por iniciativa dos professores Maria do Carmo Freitas Veneroso e Amir Brito Cadôr, a coleção conta com mais de 180 títulos, de artistas brasileiros e estrangeiros. Com o intuito de aproximar a comunidade e os livros que pertencem à coleção especial de livros de artista, a Biblioteca Universitária, em parceria com a biblioteca da Escola de Belas Artes, realiza uma mostra de livros de artista a partir do dia 24 de agosto de 2011. Participam da mostra os alunos e ex-alunos (graduação e pós-graduação) Louise Ganz, Marco Antonio Mota, Paola Rettore e Paulo Nazareth, e os professores Amir Brito Cador, Mabe Bethônico, Marcelo Kraiser e Mario Azevedo. Com curadoria do professor Amir Brito Cadôr, os livros podem ser vistos até o dia 4 de novembro no Setor de Livros Raros, no 4º andar da BU, no campus Pampulha da UFMG. O curador fará uma palestra, aberta ao público, no dia 21 de setembro, às 17h no mesmo local da mostra.

Realização:

Biblioteca Universitária

Divisão de Coleções Especiais e Obras Raras

Biblioteca da Escola de Belas Artes – Coleção Livros de Artista

Informações e visitas orientadas:

Divisão de Coleçoes Especiais e Obras Raras – Telefone 31 3409-4615, e-mail: colesp@bu.ufmg.br.

Site da coleção:  http://seminariolivrodeartista.wordpress.com/

Estilistas: pensadores da moda

Publicado no Jornal OTEMPO em 19/06/2011

TARCÍSIO D´ALMEIDA

A mesma inquietação que me impulsionou para o projeto no qual venho desenvolvendo, desde os anos 1990, uma série de entrevistas com intelectuais que pensam (ou pensaram) sobre a moda talvez sirva como uma possível explicação para o fato de que, mesmo em tímida expansão, estilistas estejam também se preocupando, refletindo e questionando o próprio campo de atuação deles, isto é, a moda sob prismas diversos. O resultado é percebido com a inclusão de profissionais formados em moda – quer seja em estilismo, em desenho de moda ou em design de moda – ou em áreas correlatas que se inserem em programas de pós-graduação de universidades prestigiadas para pesquisar o tema, o que me impulsionou a escrever esta coluna para homenagear tais profissionais que mesclam suas experiências criativas com as verves dos pensadores.

Portanto, temos quatro indícios iniciais: primeiramente, os estilistas autodidatas; em seguida, aqueles que estudaram moda na graduação; os demais com bacharelado em áreas afins; e, por último, os que pesquisaram na pós-graduação. Dito isso, a primeira que me vem à memória como um exemplo de autodidata é a italiana Maria Bianchi Prada, ou simplesmente Miuccia Prada. Muito antes de pensar em atuar no mundo da moda, Miuccia, que herdou do avô os negócios da família, estudou ciência política, foi militante do Partido Comunista italiano e se doutorou, no ano de 1978, também na mesma área, ou seja, distante do brilho e do glamour do mundo da moda. Ou seja, uma cientista política que não estudou moda, mas migrou para tal universo criativo.

Diferentemente dela, quatro nomes brasileiros ilustram outras realidades: a de egressos da área de moda, de comunicação e de artes; quer seja na graduação, quer seja tendo-a como tema de pesquisas na pós-graduação. A paulista Suzana Avelar graduou-se em desenho de moda pela Faculdade Santa Marcelina e, em seguida, obteve os títulos de mestre (com a pesquisa “A Comunicação da Moda na Era da Globalização”, em 2000) e de doutora em comunicação e semiótica (com a tese “Moda: entre Arte e Cultura”, em 2005), ambas pela PUC-SP.

Atualmente, é professora do curso têxtil e moda da USP. Com ela, temos o hibridismo de criadora e pesquisadora que, mesmo não atuando diretamente na indústria criativa da moda, tem contribuído com a mesma na academia.

O estilista carioca Mario Queiroz, que recentemente decidiu trocar a moda masculina pela feminina, graduou-se em comunicação social, jornalismo, pela UFF. Mas, em sua pesquisa de mestrado em comunicação e semiótica (intitulada “O Herói Desmascarado: Análise dos Editoriais de Moda da Arena Homme Plus”), defendida em 2008 na PUC-SP, onde está atualmente realizando o doutorado “A Imagem do Homem: Moda e Mídia na Construção do Masculino”, decidiu olhar academicamente para sua realidade profissional, isto é, a moda masculina e a transportou para a academia, na qual tem pesquisado a relação do homem com sua imagem e sua moda. É também professor do IED São Paulo.

Outros estilistas pensadores são os mineiros Gustavo Lins e Angélica Oliveira Adverse. Ele é arquiteto pela UFMG; autodidata único a desfilar na Semana de Moda Alta Costura de Paris; defendeu mestrado em 1989 na Universidade da Catalunha (Espanha) e é professor da Escola Nacional Superior de Artes Decorativas de Paris.

Ela, que sempre se questionou sobre a essência de sua formação, é a única brasileira vencedora das etapas nacional e internacional da extinta premiação Smirnoff International Fashion Awards; especialista em filosofia e, no início deste mês, defendeu seu mestrado em artes (com o título “Moda, Moderna Medida do Tempo”, a partir de frase homônima do filósofo Walter Benjamin), ambas titulações pela UFMG; além de ser professora da universidade Fumec.

Tarcísio D´Almeida é professor e pesquisador do curso design de moda da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (EBA-UFMG). Ele divide este espaço com Susanna Kahls e Jack Bianchi. (tarcisiodalmeida@eba.ufmg.br)

Pensadora da moda no Brasil

TARCISIO D´ALMEIDA

Publicado no Jornal OTEMPO em 29/05/2011

Lendo o discurso que proferiu na cerimônia de outorga do título de professora emérita da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, no ano de 1999, do qual fui espectador e que a revista “Cult” acaba de publicar (n° 157), percebi o compromisso de escrever estas breves linhas para celebrar a memória e o legado de Gilda de Mello e Souza (1919-2005), nossa primeira pensadora de moda no Brasil.

A moda e sua reflexão intelectual nas arenas acadêmicas brasileiras têm em Gilda seu marco histórico inicial. Seu pioneirismo resultou, no ano de 1950, na defesa da primeira tese de doutorado no país, junto ao Departamento de Sociologia da USP, sob a orientação do antropólogo francês Roger Bastide, intitulada “A Moda no Século XIX” e que teve como objeto de estudo, portanto, a moda da alta costura. Desbravou terrenos e lutou contra preconceitos na academia. O olhar da pesquisadora se debruçou sobre a força estético-criativa da alta-costura, uma vez que, somente dez anos depois, iniciar-se-ia a nova maneira de se criar e produzir desejos no mundo da moda, com o prêt-à-porter.

De maneira que podemos afirmar, com plena certeza, que não houve no Brasil nenhuma pesquisa anterior à de Gilda, ao menos com o rigor do ritual universitário. A oposição a tal afirmação advém da defesa, exatos dois anos antes de Gilda, ou seja, em 1948, do estudo do semiólogo francês Algirdas de Julien Greimas, que submeteu sua tese de doutorado “La Mode en 1830” à Universidade de Paris V, Sorbonne. Mas a pesquisa de Greimas, ainda inédita em língua portuguesa, foi defendida na França e, não, no Brasil.

Coincidentemente, com o intervalo de dois anos, agora mais tarde, a tese de Gilda ganha sua primeira versão impressa pela “Revista do Museu Paulista”, que a publicou na íntegra em 1952. Somente no ano de 1987, ganhou edição em livro, com a adição ao título da expressão “O Espírito das Roupas”, a partir do pensamento proposto pelo escritor Thomas Carlyle, no livro “Sartor Resartus”.

Mas ela não se contentou com seu estudo do doutorado. Em 1995, retomou seu interesse pela moda e publicou, na revista “Novos Estudos Cebrap”, o artigo “Macedo, Alencar, Machado e as Roupas”, sobre a presença e a descrição de vestimentas em personagens nas obras desses três escritores da nossa literatura.

Com Gilda, aprendemos a perceber e pensar as sensibilidades, sutilezas e entrelinhas da moda com outras áreas, como a literatura, a fotografia, as artes plásticas e a estética, por exemplo. Os relatos de costumes observados por escritores no fim do século XIX, os quadros de pintores e as gravuras de moda são ricos e nos ajudam a compreender, através das crônicas e romances das revistas e jornais da época, estilos, comportamentos e atitudes nas constituições das sociedades.

Essas observações estavam muito bem esquadrinhadas quando Gilda se predispôs a pesquisar o tema e direcionou seu olhar intelectual sobre o entendimento da “Moda como Arte”, “O Antagonismo”, entre vestimentas para mulheres e homens, “A Cultura Feminina”, “A Luta das Classes”, “O Mito da Borralheira”, e também sobre “O Gesto, a Atitude, a Roupa” (como títulos para os capítulos de sua tese).

A partir dela, começou a se esboçar o embrião para o que compreendemos, na atualidade, como comunidade de pesquisadores brasileiros de moda. E é graças a ela que atualmente podemos assistir a um crescente interesse pelo consumo intelectual de moda no Brasil, que se expande a cada década, e de uma geração histórica pós-Gilda, com suas produções que versam e aplicam seus instrumentais teóricos na análise e reflexão da moda.

Tarcisio D´Almeida é professor e pesquisador do curso design de moda da Escola de Belas Artes, da Universidade Federal de Minas Gerais (EBA-UFMG). Ele divide este espaço com Susanna Kahls e Jack Bianchi.