No que se debate desde o surgimento da fotografia, ela foi a que mais se destacou pelo fato de poder ser reproduzida e abrir a discussão sobre as artes miméticas. Tinha-se a situação, o meio (a câmera) e a reprodução. Abre-se aí uma lacuna sobre arte, estética e composição.
Notamos que a pintura perdia seu espaço e passava por “maus bocados” com a crescente demanda experimental do século XX. Por ser algo único e feito a mão, os artistas raramente faziam quadros que não eram figurativos e apelava quase que na sua maioria a busca do retratar o real através de telas absurdamente calculadas e esboçadas com muita antecedência.
Porém, vamos especificamente chegar ao encontro das águas do surrealismo quanto pintura e a contribuição da fotografia para o fortalecimento da vanguarda que tinha como foco a questão dos sonhos, do erótico e das fantasias com espírito e/ou algo mais agressivo da questão humana. Na pintura podemos dizer que o surrealismo foi um sonho mal sonhado, onde muitos dos pintores digamos que tiveram sonhos mal sonhados não concebendo fortemente uma contribuição ao movimento.
Em tangente temos a fotografia que por sinal teve o seu início no surrealismo com a marginalização das fotografias de Man Ray e suas radiografias solarizadas, dos fotogramas de Lásló Moholy-Nagy, as fotomontagens de John Heartfield e do famoso Alexandre Rodchenko. Estes entre outros não são mártires do movimento surrealista fotográfico, porém a pureza e a essência faziam com que iniciassem o movimento que na década de 30, esse movimento já possuía uma estética nas costuras, publicidade e até mesmo retrato que já tinham uma base estética do movimento.
Mas podemos sentir que o surrealismo está no coração do ato de compor uma imagem, “do fotografar”. Através da fotografia, temos o poder de duplicar o mundo, o que já faz parte do sonho que congelamos e digitalmente ou de forma impressa confirma essa realidade de segundo grau, afirmando que já esteve lá e com uma câmera na mão. O poder da fotografia é grande na justificativa de algo que parece ser sonho, pois o fotógrafo pode abordar um mesmo tema sendo mais dramático e mais rigoroso na exposição e com uma visão diferente àquela percebida pela visão natural e “desobvializando” uma cena comum.
Em suma podemos sair deste insight nostálgico da discussão do surrealismo e a fotografia no âmbito do seu surgimento e pisarmos na situação contemporânea em que temos uma condição favorável na produção do “surreal”. Diferente do automatismo, onde a mente não exerce nenhum tipo de controle, esbarramos na bagagem artística que carrega cada fotógrafo no ato do disparo fotográfico. De forma a buscar o subconsciente, fica natural apreciar alguns fotógrafos contemporâneos e que tem o poder de simplesmente deixar-nos presos e pasmos com os resultados fotográficos. Implicitamente, o fotógrafo quando empunha a sua câmera e aciona o disparador que no abrir da cortina, toda aquela bagagem visual é capturada pelo sensor que absorve a luz e a grava na memória da câmera digital – o qual é quase que unânime o uso deste meio.
Quase que de uma poesia é constituída todo o processo de captura. Mas e o surreal? Onde entra isso? O surreal é o simples fato da abordagem quase que inconsciente da fração de segundo que o fotógrafo tem para olhar uma cena, e num simples movimento de mira compõe, dispara, grava e enquadra uma única cena. Toda a parte compositiva, já está no subconsciente onde o sucesso de cada captura chega a ser puro e quase que mecânico até. Seria um fotógrafo que “tudo o que ele põe a mão fica bom digamos”, “tudo que ele põe o olho fica bom”,ou melhor, tudo o que ele fotografa fica bom.
Digamos que fotografar é exercitar algo do subconsciente. Um casamento, uma festa de aniversário e ou qualquer outro evento por exemplo: O que se espera de um fotógrafo de casamento/evento? Que aquele acontecimento seja eternizado, e se transformado mais ainda em conto de fadas, é o resultado esperado por quem contrata um profissional para este fim. Para o fotógrafo conseguir ele tem que carregar consigo, inconscientemente uma bagagem estética e compositiva para poder transformar tudo aquilo (o evento) em algo “supra”.
Uma outra vertente é para quem vê uma obra como esta abaixo, muitos me perguntam: Nossa que “Cult” foi em alguma cidade histórica que você fez esta foto?
Não! Esta foto foi tirada quando fui cobrir um homicídio na cidade de Leme e do outro lado da rua havia uma residência de pessoas humildes e que secavam roupas na calçada e estávamos com uma condição de luz do sol do período da manhã conseguindo bons efeitos de sombra. Por um momento, isso faz o interlocutor viajar e acreditar que aquilo poderia ser uma situação feliz, cultural, histórica, e que aqui estou descrevendo uma foto minha, mas quantas fotos vemos por aí e ficamos imaginando coisas e coisas que na verdade são outras. Outras realidades que um fotógrafo verdadeiramente sabe e as pessoas que vêem essa informação visual, sonham para decifrar aquela imagem e as interpretam de acordo com a bagagem que acreditam que tenha.
Finalizo aqui mais um post dessa incessante busca pelo entendimento “sobre fotografia” mergulhado de incógnitas e mistérios que hei de trazer para vocês e provocar discussões.
“À diferença dos objetos das belas-artes das eras pré-democráticas, as fotos não parecem profundamente submetidas às intenções de um artista. Devem, antes, a sua existência a uma vaga cooperação (quase mágica, quase acidental) entre fotógrafo e o tema – mediada por uma máquina cada vez mais simples e mais automática, que é infatigável e que, mesmo quando se mostra caprichosa, pode produzir um resultado interessante e nunca inteiramente errado.” Susan Sontag
Rafael Habermann