A Kombi instalação de Paulo Nazareth tinha uma tonelada de bananas, que foram amadurecendo e sendo vendidas pelo próprio artista
Deu no New York Times: o mineiro Paulo Nazareth, que mora em Santa Luzia, é o único com bom trabalho na exposição Art positions, setor dedicado aos artistas emergentes da Art Bassel Miami, maior feira de arte contemporânea dos Estados Unidos. Para a crítica Karen Rosemberg, que assina resenha sobre o evento (encerrado dia 4) no suplemento Art&Design, quem está chegando ao circuito artístico faz arte que deixa a sensação de algo já visto e derivado de propostas conhecidas. A única exceção, para ela, é Paulo Nazareth. O mineiro, apresentado pela galeria paulista Mendes Wood, mostrou uma Kombi com uma tonelada de bananas, vendidas por ele mesmo, ao lado de cartazes com textos como: “Não se esqueçam de mim quando eu for nome importante”; “Vendo imagem de homem exótico” etc. A obra chamou atenção e foi parar nas páginas de várias publicações, entre elas o Wall Street Journal.
A feira de arte já terminou, mas até quinta-feira Paulo Nazareth, com “inglês torto e francês gauche”, vende bananas em Miami. Só que nas ruas de Little Haiti, para onde levou sua instalação. Na Bassel, cada fruta custava US$ 10. Na rua 100 delas estão sendo vendidas a US$ 1. “Descobri que é mais fácil vender banana em feira de arte do que em Little Haiti”, conta, por telefone, explicando que, inicialmente, a comunidade ficou desconfiada da origem (e do preço baixo) das frutas. Aos poucos, habitantes do local passaram a ajudá-lo na empreitada. “Relações ricas com a vida são o material da minha arte”, avisa, explicando que suas ações são políticas, poéticas e estéticas. “Bananas verdes, que, aos poucos, foram ficando amarelas, pintadinhas, dentro da Kombi verde, ficou tudo muito bonito”, observa, vendo no forte aspecto estético um dos motivos do rumor que a obra provocou.
A instalação [banana banana] ganhou nos Estados Unidos, à revelia do artista, o nome de Mercado de bananas/Mercado de arte. Foca o desejo dos americanos do Sul de migrar para o Norte. A peça faz parte de série chamada Notícias da América, em desenvolvimento a partir de residência artística em Nova York. Trabalho que o artista trocou por vagar pela cidade, durante dois dias, com o movimento Occupy Wal Street e também por viagens pela América Latina, aprofundando pesquisa sobre deslocamentos. “Estou na exposição para ‘terceiro-mundializar’ os Estados Unidos, começando por Miami”, provoca Paulo. Promete, agora, trazer notícias dos EUA para a América Latina, em outra exposição, mostrando trabalhos realizados durante as viagens. Estima que, “se não se perder” na viagem de volta (que será feita por terra, exatamente como ele foi para os Estados Unidos) e “se Deus quiser”, estará de volta ao Brasil em três meses.
BLACK POWER A série Notícias da América, para Paulo, começou no momento em que ele foi tirar o passaporte e o computador recusou sua foto, já que o padrão não reconhecia o cabelo black power, sendo ele identificado como índio com cocar. Na hora de tirar o visto de entrada nos Estados Unidos, devido ao mesmo problema, teve de colocar um turbante, o que facilitou identificação como árabe. “Foi a expansão do conceito de pessoa, de lugar e homenagem à minha origem”, brinca o artista. “Sou neto de krenaks, bisneto de italiano, asiático segundo teoria do povoamento da América. Me chamo Paulo Nazareth de Jesus, isto é, tenho nome de cidade do Oriente Médio – Nazaré – e católico, dado por mãe, que é do candomblé”, acrescenta, com humor. O bom andamento da carreira credita a promessas da mãe, para São Judas Tadeu, padroeiro das causas impossíveis, para que os projetos dele dessem certo. Para trabalhar, teve de driblar problemas nas fronteiras entre México, Guatemala e Estados Unidos.
Mais: como Paulo Nazareth queria chegar aos Estados Unidos impregnado de América Latina, foi por terra. Ficou, inclusive, “seis meses e 15 dias sem lavar os pés”, para que a poeira (“que não considero sujeira”) permanecesse neles. Usou meias, na fronteira com o México, para que fiscais não vissem como estavam os pés dele, só lavados no Rio Hudson, já em Nova York. Também jogou no rio, em 28 de outubro, imagem de São Judas Tadeu. “Quando me inscrevi no Bolsa Pampulha, ela rezou para o santo para que os meus projetos dessem certo e as rezas continuam ajudando”, garante. A participação na Art Bassel rendeu vários convites para eventos na Europa, mas Paulo quer chegar lá, “depois de passar pela África”, repetindo o que fez agora.
Perfil
Paulo Nazareth tem 34 anos, nasceu em Governador Valadares, vive e trabalha em Belo Horizonte. É formado em desenho e gravura, estudou entalhe em madeira com Mestre Orlando. Ganhou o Bolsa Pampulha (2004-2005), já recebeu prêmios em salões, participou de mostras de performances, realizou diversas mostras em BH, São Paulo, Goiânia, Porto Alegre. Evita definições de arte, mas suspeita que o essencial sejam ações transformadoras. Motivo de satisfação é estar amadurecendo projeto cultivado há muito tempo, de linguagem pop, conceitual e contemporânea. Quando convidado a falar sobre seus trabalhos, ele diz: “É um pouco performance.
Prefiro chamar de arte relacional, arte de conduta. É a minha maneira de me conduzir no mundo. Vou sendo todo dia transformado pelas situações, pelos ecos do que vai ocorrendo ao meu redor. Não se trata de relações apenas intelectuais, presencio relações fortes, emocionantes com a vida. Conheci um artista que não tinha malas e disse, por isso, não viajar. Vendo que viajei com um embornal, de saco de linhagem, ficou surpreso. E chegou à conclusão de que podia fazer o mesmo. É tudo muito forte, cheio de emoções. Há coisas que são para mim como um soco, que faz girar minha cabeça, exatamente como se faz com o pescoço do frango para matá-lo”.