Kenneth Goldsmith (Nova Iorque, EUA, 1961)
Freme
Florianópolis, par(ent)esis, 2016
coordenação editorial: Regina Melim
tradução: Caetano W. Galindo
revisão: Beatriz R. Galindo
projeto gráfico: Pedro Franz
500 ex.
No Bloomsday de 1997, sozinho em seu apartamento e com um gravador e um microfone, Kenneth Goldsmith tenta falar todos os movimentos que seu corpo faz das 10h, quando acorda, às 22h, quando vai dormir. O texto transcrito da gravação resulta em uma escrita na qual o corpo se reduz à sua mecanicidade, sem individualizar um personagem e tampouco apresentar ao leitor o mundo com o qual esse corpo interage. Em 16 de junho de 1998, a ação de Goldsmith é apresentada no Museu Whitney, em Nova York, como performance vocal-visual realizada por Theo Bleckmann. Na ocasião foram impressos 100 exemplares numerados e assinados da transcrição das três primeiras horas. Em 2000, a Coach House Books publica Fidget, a versão completa do texto de Goldsmith. Em novembro de 2016, Freme, tradução para o português realizada por Caetano Galindo, é publicado pela plataforma par(ent)esis. Segue abaixo um fragmento:
19h00
“Rededo. Espirro cruza. Todo o ante esfrega livre. Trista mão. Corre no fundo da coxa, sem olhos. Flexurrilha. Movimentos periféricos ditos. Alento refresca flanco destro. Maxilas veem dentes cerrados. Parte externa dum canino inferior, pronunciadíssimo ranger para trás e à frente. Em claro, não tem como chegar à gengiva. Donde descende canino destro. Mesmo assim, é pequeno esfrego. Mas chances há de que menor. Ínfera ravina. Exigindo atenção da saliva. Boca em geral. Língua corra. Palma. Nós entecem polegares. Nervos quicam e caem e caem e quicam. Em movimento vertical, movimentos verticais são. Poucas horizontais, especialmente as de origem nervosa. Se projeta recebida. Dentes não mais relaxam. Dentes não toque. Palatos separados. Naturalmente, dentuço. Dentes inferiores de novo passam à frente. Sem jamais dar na gengiva, sempre dando atrás. Dentes nunca tocam a não ser por queda dentária. Queda se origina gengiva. Não acontece. Projeta-se à frente dos de cima. Quadril gengiva acima não permite. Por outro lado, de detrás de diante. Ainda assim, nada acontece. Raspa mão. Primeiro agora estica.”