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A anacronia do presente

Em livro publicado pela Editora UFMG, Didi-Huberman propõe arqueologia crítica da história da arte com base nas relações entre imagem e tempo

Ewerton Martins Ribeiro

Diante do tempo: História da arte e anacronismo das imagens

Georges Didi-Huberman é um dos pensadores mais influentes no campo de estudos que se situa no cruzamento entre estética, filosofia e história da arte. Nas ciências humanas brasileiras, especificamente, assim como na área de linguística, letras e artes, sua leitura se popularizou com traduções publicadas pelas editoras 34 e Contraponto e se intensificou especialmente a partir de 2011, com a publicação deSobrevivência dos vaga-lumes, pela Editora UFMG.

O livrinho – que mobiliza uma postura de esperança face ao contemporâneo – fez-se um pequeno petardo ao propor reflexões que interessam a pesquisadores de áreas distintas (das belas-artes à história, da filosofia à literatura) e ao estabelecer um diálogo atualizado com intelectuais de diferentes gerações, como Walter Benjamin, Pier Paolo Pasolini e Giorgio Agamben.

Agora, cinco anos depois de Sobrevivência, a Editora UFMG dispõe nas prateleiras das livrarias brasileiras uma tradução inédita de Diante do tempo: História da arte e anacronismo das imagens, livro em que o historiador propõe uma arqueologia crítica da história da arte, partindo das relações entre imagem e tempo e dos valores de uso do tempo na história da arte.

Se no livro dos vaga-lumes Didi-Huberman investiu suas energias em defender a sobrevivência da imagem e da experiência no mundo contemporâneo (e em estabelecer os parâmetros dessa sobrevivência), em Diante do tempo, ele vai propor uma “semiologia não iconológica” para suas reflexões sobre a imagem: “uma semiologia que não fosse nem positivista (a representação como espelho das coisas), nem mesmo estruturalista (a representação como sistema de signos)”, escreve. Com isso, o crítico de arte põe em questão a própria ideia de representação, num “debate de ordem epistemológica sobre os meios e os fins da história da arte como disciplina”.

“Houve um investimento da Editora UFMG na compra dos direitos de tradução deste autor”, conta Roberto Said, vice-diretor da Editora. “Nesse sentido, já temos três novas publicações programadas: Atlas: o gaio saber inquieto, O olho da história e Quando as imagens tomam posição. Com esse investimento, a Editora UFMG provavelmente será, no Brasil, a que mais terá publicações da vasta obra do escritor”, comemora.

Futuro em mutação

Traduzido por Vera Casa Nova e Márcia Arbex, professoras da Faculdade de Letras, o livro agora publicado sugere que “sempre, diante da imagem, estamos diante do tempo” e nos propõe interrogar os objetos imagéticos do contemporâneo com olhares aguçados, perscrutando neles aquilo que, em anacronismo, eles nos contam sobre o tempo.

Na obra, Didi-Huberman vai dizer que, diante de uma imagem antiga, por mais antiga que ela seja, vemos o presente, que nunca para de se reconfigurar. Ao mesmo tempo, sentencia que, diante de uma imagem recente, por mais recente que ela seja, vemos da nossa parte o passado, que também nunca cessa de se reconfigurar, já que toda imagem só se torna pensável numa construção de memória.

Mais do que isso, Didi-Huberman nos provoca dizendo que, diante de uma imagem, seja ela antiga ou recente, vemos ainda o futuro – a ideia de futuro, em constante mutação. “Temos de reconhecer humildemente isto: que ela [a imagem] provavelmente nos sobreviverá”, diz. “Somos diante dela o elemento de passagem, e ela é, diante de nós, o elemento do futuro, o elemento da duração.”

Nesse sentido, “a imagem tem frequentemente mais memória e mais futuro que o ser que a olha”, diz Didi-Huberman, mas sem ver nesse achado um entrave para a investigação intelectual. Para o crítico, ao contrário, sendo a imagem um arcabouço anacrônico de tempos, ela se faz o objeto de excelência para a investigação do tempo presente e do seu anacronismo. Entrar em contato com essa multiplicidade temporal, assim, seria entrar “no saber que tem o nome de história da arte”, interessando-se pela arqueologia “do saber sobre a arte e sobre as imagens”.

Livro: Diante do tempo: História da arte e anacronismo das imagens
Autor: Georges Didi-Huberman
Editora UFMG
328 páginas

Livro explica como resgatar telas roubadas e apontar falsas telas

Livro destinado ao público juvenil e aos amantes dos desenhos em quadrinhos utiliza a linguagem dos quadrinhos para mostrar como a ciência pode ajudar na resolução de crimes.

Título: Detetive Intrínculis e o roubo da Mona Lisa            AutoresCarla Baredes, Amaicha Depino
Editora: Panda Books
Ano de Edição: 2013
Nº de Páginas: 47

Detetive Intrínculis e o roubo da Mona LisaDetetive Intrínculis e o roubo da Mona Lisa

Detetive Intrínculis e o roubo da Mona Lisa

Em agosto de 1911, a pintura mais famosa de Leonardo da Vinci, Mona Lisa, foi roubada do Museu do Louvre, em Paris, por Vincenzo Peruggia, um antigo funcionário do museu. O mercado de crimes contra a arte pode parecer insignificante e só ganhar espaço na imprensa diante de roubos como esse, mas, na verdade, chega a movimentar 6 bilhões de dólares ao ano. Tanto que chamou a atenção de duas argentinas, Amaicha Depino e Carla Baredes, que transformaram a ocorrência do Louvre em ficção e a verteram para a linguagem dos quadrinhos no livro Detetive Intrínculis e o Roubo da Mona Lisa (tradução de Pablo Soto, Panda Books, 48 páginas, 32,90 reais), livro que explica como se dá o resgaste de telas roubadas e a identificação das falsificações.

Na obra, que está chegando agora às livrarias nacionais, Mona Lisa é propriedade da rica família Fortunis até que um dia desaparece da mansão. Para descobrir o autor do crime, a família recorre ao detetive Intrínculis, figura que concentra diversos clichês desses profissionais. Munido de capa de chuva impermeável e lupa, o personagem, politicamente correto, só dispensa o cachimbo, pois afirma que fumar é um mau hábito. Outros detetives famosos, como Sherlock Holmes e Hercule Poirot, criado pela escritora Agatha Christie, também são lembrados pela história.

Por meio das ilustrações de Fabián Mezquita, o livro conta como esses casos podem ser solucionados com a ajuda da ciência, desde o momento em que se colhem as impressões digitais deixadas no local do crime até a análise para verificar se a obra encontrada é a verdadeira. Até mesmo objetos retratados à exaustão em filmes e programas de televisão são lembrados, como o detector de mentiras e o soro da verdade – que nada mais é do que um combinado de substâncias químicas, usado geralmente na anestesia de pacientes antes de uma cirurgia. O livro ainda explica, passo a passo, como reconhecer um quadro falsificado.

Como identificar uma pintura falsa:

Análise da técnica de pintura

O primeiro passo para descobrir se uma pintura é falsa é analisar a técnica empregada na obra — as cores, o tipo de pincelada etc. Para isso, é necessário que um especialista em artes plásticas compare o traço, as proporções, os tons de cores e o acabamento da tela com outras obras do artista a quem se atribui a autoria. Se a técnica for semelhante, novos estudos, mais profundos, devem ser pedidos.

O mercado de roubo de arte chega a movimentar 6 bilhões de dólares por ano, o que fez necessária a criação do departamento de crimes contra arte do FBI, proposta de Robert Wittman

Radiografia da pintura

Depois da análise da técnica, é importante fazer uma radiografia da pintura para verificar se há áreas do quadro modificadas ou reparadas. Em alguns casos, também é possível descobrir se uma pintura foi coberta posteriormente por alguma camada de tinta e detectar a presença de elementos químicos no pigmento utilizado sobre a tela. Essa análise pode ser útil para a investigação de quadros antigos, uma vez que alguns elementos químicos só foram agregados a tintas recentemente, como o titânio. Se uma pintura do século XV contiver esse elemento em sua composição, ela provavelmente será falsa.

Retrato de Suzanne Bloch (1904), de Pablo Picasso, e O Lavrador de Café (1939), de Cândido Portinari, peças roubadas em dezembro de 2007, são analisadas pela restauradora Karen Barbosa

Análise da passagem de tempo

Se o quadro for antigo, é possível identificar a passagem de tempo observando suas rachaduras e craquelês. Para saber se o quadro foi falsificado ou não, um programa de computador usado por especialistas em artes plásticas pode ampliar as imagens e auxiliar na comparação entre ele e outra obra da mesma época. Se não houver marcas de tempo, o quadro é novo e, portanto, falso.

O Grito (1893), de Edvard Munch foi roubado em agosto de 2004 no Munch Museum em Oslo, Noruega. A peça foi recuperada dois anos depois e, em negociação com policiais disfarçados, os ladrões fecharam negócio por 750.000 dólares

Raios ultravioletas e infravermelhos

Além dos raios-X, raios infravermelhos e ultravioletas podem ajudar a descobrir os traços mais profundos de uma pintura. É possível saber, por exemplo, se um esboço a lápis foi feito antes da pintura em si e também quais foram os movimentos do artista com o pincel. Essas características podem ser comparadas com outras obras já conhecidas daquele que em tese é o autor da pintura e contribuir para a identificação da autoria.

Policiais observam as obras roubadas que voltaram ao Masp em janeiro de 2008.

Fluorescência de raios-X por reflexão

O exame de fluorescência por reflexão analisa de que forma os raios-X saem após serem refletidos pela obra de arte. Por meio desse estudo, é possível descobrir os elementos que constituem e a quantidade dos pigmentos aplicados na pintura, que então devem ser conferidos com os materiais utilizados pelo autor a quem é atribuída a tela.

A pintura Mona Lisa foi roubada em agosto de 1911, do Museu do Louvre, em Paris. 10% dos roubos de obras de arte acontecem em museus

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Reportagem de Meire Kusumoto disponível na Revista Veja online.

Arte Como Experiência – resenha

Magali Reis I; Luiz Armando Bagolin II


I – Professora, doutora e pesquisadora na área de educação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais  magali_rei@pucminas.br
II – Professor, doutor e pesquisador na área de artes do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo lbagolin@usp.br

Arte além do bem e do mal

JOHN DEWEY (trad. Vera Ribeiro; introd.: Abraham Kaplan) SÃO PAULO: MARTINS, 2010, 646 p.

arte como experiênciaA arte, desinteressada, alojada em um pedestal como obra de arte, distante da vida comum e cotidiana, é desinteressante como experiência estética efetiva, sendo louvável tão somente por lembrar que em sua origem ela participava dos modos de ver e de sentir dos indivíduos que a perfizeram. Para John Dewey, a compreensão da experiência estética verdadeira passa pela consideração de seu “estado bruto” quanto às formas de ver e ouvir como geradoras de atenção e interesse, e que podem ocorrer tanto a uma dona de casa regando as plantas do jardim quanto a alguém que observa as chamas crepitantes em uma lareira. Resultado de dez conferências proferidas entre o inverno e a primavera de 1931 na Universidade de Harvard, a obra Arte como experiência, publicada pela primeira vez em 1934, sob o título geral The later works of John Dewey, somente agora surge traduzida para a língua portuguesa. Não muito distante da visão pragmatista que permeia a sua obra filosófica e sua teoria pedagógica, a opinião construída sobre a experiência artística focaliza a necessidade de se considerar o prazer e a satisfação envolvidos nesta experiência, cujo impulso é dado pelo próprio contexto no qual se insere o indivíduo.

Fundamentalmente neo-hegeliana, a visão de Dewey sobre a arte reclama pelo total engajamento do artífice em relação ao produto que fabrica, assim como pela consciência sobre o seu processo. Partícipe da vida, a arte se dá sob novas formas e modos de percepção na atualidade, pois distante dos pedestais dos museus e instituições onde se expõe oficialmente, aparece em lugares incomuns, mas que propiciam a busca do prazer e o exercício da sensibilidade. Ou, como propõe o autor que as artes que têm hoje mais vitalidade para a pessoa média são coisas que não são consideradas artes como, por exemplo, filmes, jazz, quadrinhos e, com demasiada frequência, as reportagens de jornais sobre casos amorosos, assassinatos e façanhas de bandido.

Para que essa opinião, talvez um lugar comum para a nossa época – prenhe de performances e instalações – não escandalizasse o leitor da sua obra, ou a audiência primeira destas conferências, Dewey chama a atenção para a possibilidade de se considerar que, nas sociedades antigas, as “artes do drama, da música, da pintura e da arquitetura” não eram manifestações que habitavam teatros, galerias e museus. Antes, participavam da vida coletiva, ligando-se organicamente umas às outras – a pintura e a escultura com a arquitetura, por exemplo, a música e o canto com os ritos e cerimônias da vida de determinado grupo.

O argumento, em sua base, é hegeliano, pois a obra de arte enseja sempre uma participação entre aquilo que é obra – portanto, a parte material, sensível, que se “expõe para” – e a arte – ou seja, a ideia trazida pelo “Espírito”, que “se expõe em”. Em outros termos, a obra é “de arte” quando dela, obra, construção humana numa determinada sociedade, participa o “Espírito”, ou o “Em-Si e Para-Si”, não havendo mais possibilidade de que tal associação se produza em nossa época, para a qual a arte tornou-se um “objeto de consideração científica”. O que se vê nos museus como “obra de arte” é apenas um corpo oco, desabitado do “Espírito” que, outrora, dela, como obra, participara. A arte verdadeira, nos tempos dessa participação, segundo Hegel, não era, desse modo, entendida como arte, pois as pessoas ajoelhavam-se diante dela no interior dos templos, mirando o sagrado de que se revestia o “Inteligível”.

Servindo-se desse argumento, Dewey tenta demonstrar como é necessário distinguir entre esses objetos, elevados ao status de obras de arte, mas separados da experiência temporal e social de sujeitos contemporâneos, e as formas novas de sensibilidade, na verdade, específicas e adequadas, pois não são universais, mas se justificam em cada época, permitindo a esses sujeitos expressarem a própria condição de vida. Para o autor, entretanto, a dessacralização da arte, entendida como experiência apartada da vida humana, foi agravada pelo capitalismo, cuja “influência” se fez sentir na instituição da arte: “O crescimento do capitalismo foi uma influência poderosa no desenvolvimento do museu como o lar adequado para as obras de arte, assim como na promoção da ideia de que elas são separadas da vida comum”. Associado ao materialismo crescente sobre as sociedades modernas, o capitalismo “enfraqueceu ou destruiu o vínculo” das obras de arte com os seus respectivos contextos de origem, o genius loci dos quais eram essas obras a “expressão natural”. A ruptura desse vínculo, segundo o autor, determinou a abertura de um “abismo entre a experiência comum e a experiência estética”, produzindo um esteticismo desenfreado que muito tem a ver com os modos de operar do comércio e do mercado, mas pouco com a experiência da arte. Teorias estéticas já existentes, as muitas, só ajudaram a aprofundar esse abismo. Portanto, para o autor, deve-se buscar a compreensão a partir de um “desvio”, dirigindo-se diretamente à experiência, solo comum, de onde as obras advêm. Indaga-se, de início, pela natureza da experiência como concernida à vida e às condições para a sua existência. Em primeiro lugar, na lista dessas condições, há um ambiente, um lugar no qual a vida surge e com o qual ela interagirá o tempo todo. Para Dewey, os “lugares-comuns biológicos são as raízes da estética na experiência”. Esta é resultante de um processo de adaptação pelo qual a vida busca a expansão (não a contração ou a acomodação), enfrentando todas as hostilidades e percalços ao seu desenvolvimento.

Por isso, os seres acolherão a ordem, em meio a um mundo que opera segundo o caos e a desordem, incorporando-a em si mesmos e compartilhando-a em suas ocorrências exteriores: a ordem sendo produzida em toda parte, também se produz fora dos seres. No homem, “a perda da integração ao meio” ou a impossibilidade de partilhar tal ordem geram sentimentos como a emoção, caso se ofereça a ruptura; ou a reflexão, caso seja gerada a discórdia. “Tensão e resistência” ativam, como potencialidade, a experiência para o artista, e como problema, a experiência para o cientista, embora esse processo possa ser invertido para ambos, por se originar a experiência, segundo o autor, do mesmo enraizamento: “o pensador tem seu momento estético quando suas ideias deixam de ser meras ideias e se transformam nos significados coletivos dos objetos. O artista tem seus problemas e pensa enquanto trabalha”. No entanto, o pensamento no artista ocorre em tal consonância com os meios que ele utiliza, que parece haver, entre pensamento e objeto, uma fusão em um só termo. Sem confusão, a experiência estética verdadeira enseja a harmonia, obtida desde que haja “de algum modo, um entendimento com o meio”. A arte que interessa realmente surge a partir do poder de realização de novas adaptações, perfazendo-se como experiência estética – portanto, significativa – em um tempo que é tão somente o de seu presente, consoante ao desfrute ou ao gozo que ela proporciona -, por conseguinte, não duradoura, mas não apartada do mundo. A experiência é, assim, sempre tratada como positiva, na medida em que, para o autor, só tende a incrementar a vida. A positividade proposta para a experiência bruta, primeira, implica que se considerem todos os sentidos ativos no mundo e com “o mundo dos objetos e acontecimentos”, no qual o “eu” busca o ritmo e a ordem livrando-se do caos: “a experiência é a arte em estado germinal”.

Mas é preciso que se note que os sentidos sofreram o mesmo tipo de separação que se deu com as formas de vida em suas representações institucionais, econômicas e jurídicas. Valorizados aqueles que se subordinam ao intelecto, desprezados aqueles que se distanciam da razão, em geral os sentidos são usados mecanicamente, sem que nos apercebamos disto. O uso dos sentidos recupera o seu sentido originário quando abarca e interpenetra todas as coisas do mundo, levando a “criatura” a experimentá-las, apontando os seus significados.

Discordando da posição kantiana, para quem a natureza produz efeitos e não obras, Dewey propõe o ninho do pássaro e o dique do castor como exemplos de “processos do viver” dos quais emerge a arte, sem que haja a necessidade de distingui-los no homem. Afirmada neste, como qualidade distintiva, a consciência é o agente promotor da transformação de materiais e energias da natureza em arte, sendo conduzida como experiência estética, pois envolve a participação ativa de todos os sentidos. A transitividade entre a sensação dos sentidos e o ambiente ou meio para a deflagração da experiência estética permite que o autor retome a noção romântica do artista absorto, imerso na natureza e a ela intrinsecamente ligado: W. H. Hudson, Emerson. O sublime, para Dewey, é o denominador comum entre a experiência estética e a religiosa, uma vez que ainda defende o sentimento extasiado como sumo efeito dos processos de interação da vida biológica (e não da espiritual) com o meio, nos quais a experiência artística é fulcro para os sentidos e a consciência, que se traduziram em ato sobre determinada matéria.

O pensamento tem papel fundamental nessa transitividade, pois proposto como movimento contínuo, seguido das teorias de seu amigo William James, permite ser representado pari passu às representações do sublime, em imagens anímico-climáticas, nas estéticas do século XIX. Ininterrupto, produzido em ondas, o pensamento só não é condutivo da experiência e conclusivo quando premido pela precipitação da vida apressada que o empobrece, enfraquecendo aquela ou sobre ela produzindo uma “interferência”. Dewey parece querer reivindicar a superação da dicotomia entre produção e recepção da obra de arte presente na estética kantiana, a produção a encargo do artista, gênio dotado de poderes de imaginação; a recepção a encargo do público, depois de mediada pelo juízo. Para o autor, quando a produção da obra de arte é desfrutada na experiência ou durante o processo de sua execução, o artista incorpora em si a mesma atitude do espectador. Este deve ser estimulado a refazer as “relações vivenciadas pelo produtor original” para perceber “o processo de organização consciente vivenciado pelo criador da obra”. Para Dewey, o espectador deve utilizar a obra de arte, que atesta uma experiência alheia, para criar a própria experiência, o que a potencializa como um ato de recriação significativa.

De maneira semelhante, é preciso superar a dicotomia entre matéria e forma presente em teorias estéticas ora “idealistas”, ora “sensualistas” que confirmariam a “falácia” contra a unidade dos dois termos na experiência. A superação dessa dicotomia faz com que se passe para a próxima, que rigorosamente é o cerne da discussão proposta pela estética de Dewey: a separação entre sujeito e objeto, tal como foram discriminados pela filosofia, não faz sentido para o verdadeiro conceito de experiência, uma vez que, para esta, corresponderiam o organismo e o meio ambiente, termos que, integrados na verdadeira experiência, como já referido, interagem de modo equilibrado. Os excessos contingentes, tanto de um lado como de outro, explicariam os defeitos numa obra de arte.

De todas as teorias filosóficas da arte, talvez a que mais se aproxime da estética de Dewey, segundo o que ele mesmo afirma neste livro, seja a da “teoria da arte como brincadeira”. Pelo menos aí haveria o reconhecimento da “necessidade da ação, do fazer algo”. Não há arte, para Dewey, sem a noção fundamental de que a ação permite a passagem do não ser para o ser, noção que é basilar também para o conceito de experiência. O “gatinho” brinca com o novelo de lã e esta brincadeira não difere muito da de uma criança pequena. Mas ao contrário do que ocorre com um animal, a manifestação da brincadeira no homem adquire em algum momento a necessidade de ordenação da experiência, transformando-se de brincadeira em jogo e, deste, em trabalho, embora não identificado com o cansaço e a labuta penosa. A experiência que deflagra a atividade artística, para Dewey, não pode ser coercitiva, mas livre e prazerosa, implicando não o trabalho em sua forma usual, pejorativo, mas sob a forma de uma experiência estética. Nisso, não difere muito o autor de Kant, do qual muitas vezes parece querer afastar-se, pois a “terceira crítica” kantiana expõe explicitamente a oposição entre “bela-arte”, ou “arte livre”, e “artesanato”, ou “arte remunerada”. A primeira, como jogo ou atividade que em si mesmo é prazerosa; a segunda, como gozável apenas em razão de um interesse atendido ou da expectativa de um valor aferido e satisfeito depois da atividade cumprida, mas não uma atividade deleitável por ela mesma.

A aproximação entre arte e brincadeira refaz, portanto, o vínculo entre arte ou experiência estética e “desinteresse”, conceito-chave das estéticas oitocentistas, pois a experiência da consecução da obra de arte deve necessariamente ter seu foco nela mesma como critério de exposição de sua unidade interna, o que seria difícil caso o propósito da interação entre sujeito e objeto, forma e matéria, estivesse colocado fora da experiência. Um interesse alheio a esta, como seu deflagrador, poderia ser lido logicamente como outra experiência, o que implicaria admitir que a experiência da arte não é livre, pois subordinada a interesses exteriores a ela, o “organismo”, portanto, não interagindo livremente e em reciprocidade com o “ambiente”.

Também, o papel da crítica como instrumento de mediação, como auxiliar para a “reeducação da percepção das obras de arte”, é resgatado por Dewey com base em Kant, embora o autor descarte a função moralizadora do juízo, suas “aprovações ou desaprovações”, “classificações e condenações”. “A função moral da própria arte é eliminar o preconceito”, propõe Dewey, dirigindo também ao crítico esta função, porque acredita que o juízo verdadeiro acerca da obra artística nasce da experiência de sua recriação, como reordenação da experiência que a gerou no organismo de quem dela provar. Para que a experiência da arte seja vivenciada pelo indivíduo livre, é necessário que a considere alienada em relação à “prática da moral”, que produz as ideias de “louvor e de censura”, de “recompensa e de castigo”. Indiferente a tais ideias, a arte, ainda pensada de forma idealizada por Dewey, é colocada como uma experiência acima do bem e do mal.

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A obra A Arte como Experiência de John Dewey está disponível para empréstimo n Biblioteca da Escola de Belas Artes  e na biblioteca da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas.

Livros de arte e correlatos no SciELO Books

A SciELO – Scientific Electronic Library Online (Biblioteca Científica Eletrônica em Linha) é um modelo para a publicação eletrônica cooperativa de periódicos científicos na Internet. Especialmente desenvolvido para responder às necessidades da comunicação científica nos países em desenvolvimento e particularmente na América Latina e Caribe, o modelo proporciona uma solução eficiente para assegurar a visibilidade e o acesso universal a sua literatura científica, contribuindo para a superação do fenômeno conhecido como ‘ciência perdida’. O Modelo SciELO contém ainda procedimentos integrados para medir o uso e o impacto dos periódicos científicos.

A SciElo, além de periódicos científicos, disponibiza livros através da Rede SciELO Livros.

A Rede SciELO Livros visa a publicação online de coleções nacionais e temáticas de livros acadêmicos com o objetivo de maximizar a visibilidade, acessibilidade, uso e impacto das pesquisas, ensaios e estudos que publicam. Os livros publicados pelo SciELO Livros são selecionados segundo controles de qualidade aplicados por um comitê científico e os textos em formato digital são preparados segundo padrões internacionais que permitem o controle de acesso e de citações e são legíveis nos leitores de ebooks, tablets, smartphones e telas de computador. Além do Portal SciELO Livros as obras serão acessíveis por meio dos buscadores da Web e serão publicados também por portais e serviços de referência internacional.

Esta redeA Rede SciELO Livros interopera e compartilha objetivos, recursos, metodologias e tecnologias com a Rede SciELO de periódicos científicos de modo a contribuir com o desenvolvimento da comunicação científica em ambos meios de publicação.

No site, é possível acessar a lista completa ordenada pelo título ou pelo autor. Ainda conta com motores de busca.

Segue abaixo livros encontrados na SciELO Livros pertinentes à Escola de Belas Artes da UFMG.

Dança na cultura digital / Ivani Santana

EDUFBA, 2006

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É impossível pensar o ser humano contemporâneo se não imerso em um ambiente naturalmente híbrido: biológico e tecnológico em constante interação. É esse o convite que o trabalho de Ivani nos faz, observar o corpo dançando ao sabor da tecnologia, numa metáfora para essa relação. O título é um dos primeiros livros sobre o tema lançado pela Editora.

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Cultura negra em tempos pós-modernos / Marco Aurélio Luz. 3. ed.

EDUFBA, 2008

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Reúne artigos e ensaios abordando o significado dos processos culturais das tradições africanas nas Américas, na atualidade.

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Design e ergonomia: aspectos tecnológicos / Organizadores Luis Carlos Paschoarelli e Marizilda dos Santos Menezes.

Editora UNESP, 2009

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Resumo

Nesta coletânea são apresentadas diferentes questões, métodos de abordagem e demandas para a aplicação da Ergonomia no Design. A evolução tecnológica observada nas últimas décadas proporcionou inúmeros benefícios para o aumento na qualidade de vida das pessoas, mas também resultou em vários problemas de interface tecnológica, os quais geram constrangimentos, acidentes, e frustração aos consumidores. Tais questões são analisadas no livro, no qual se destacam temas de grande atualidade, como por exemplo: o uso de equipamentos médico-hospitalares por indivíduos obesos e de cadeiras de rodas por indivíduos idosos; as avaliações ergonômicas de espaços e equipamentos escolares; as dificuldades de leitura em rótulos e bulas de embalagens; o uso de colete de proteção nas atividades policiais, de calçados femininos com salto alto ou da poltrona do motorista de ônibus urbano, entre outros. Os artigos relatam pesquisas desenvolvidas no Programa de Pós-graduação em Design da UNESP, Campus Bauru, e ressaltam a importância da aplicação da ergonomia no design de produtos e sistemas, com a finalidade de se desenvolver tecnologias para melhorar a qualidade de vida humana.

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Design e planejamento: aspectos tecnológicos / Organizadores Luis Carlos Paschoarelli e Marizilda dos Santos Menezes.
Editora UNESP, 2009

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Os trabalhos apresentados neste livro resultam da linha de pesquisa O Planejamento de Produto, vinculada ao Programa de Pós-graduação em Design (PPGDesign) da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da UNESP. Demonstram as muitas possibilidades dessa área, partindo dos novos conceitos de Design, muitas vezes chamado de Design Cultural, Design Étnico ou Design Vernacular. Tais designações se referem à produção cultural humana, independente da forma de produção (industrial ou manual) ou do estagio de avanço tecnológico em que se encontra o grupo étnico que o produz. Destacam-se na obra trabalhos sobre o Design Étnico, a Gestão de Design, a pratica profissional, as metodologias dos projetos, o Design de Moda, o Design de Superfície, e ainda as tecnologias computacionais e a arquitetura no design. Olhares diversos como esses permitem vislumbrar novos cenários e sujeitos, com a introdução de tecnologias inovadoras, novos materiais e processos, fatores que devem ser considerados e discutidos quando se ensina, pesquisa e projeta.

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Design, empresa, sociedade / Paula da Cruz Landim.

Editora UNESP, 2010

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Resumo
O objetivo desta pesquisa foi verificar até que ponto a formação acadêmica ministrada nos cursos de design responde aos anseios da sociedade e do setor produtivo e o de coletar subsídios para a discussão da situação do ensino de design no Brasil e elaboração de estratégias que permitam sua melhoria de maneira a ter profissionais adequados ao desenvolvimento de produtos que, embora com a marca da nossa realidade e cultura, sejam também universais.

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O fazer-dizer do corpo: dança e performatividade / Jussara Sobreira Setenta.

EDUFBA, 2008

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Importante contribuição para a construção do entendimento da dança como área do conhecimento. Resultado de estudos e pesquisas de alguém que vem, de muito, instigada com a busca de uma compreensão da realidade a partir de formas contemporâneas de percepção e visão de mundo onde a arte, e portanto, a dança, emerge como um sistema de alta complexidade.

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Francisco Brennand: aspectos da construção de uma obra em escultura cerâmica / Camila da Costa Lima

Editora UNESP, 2009

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O tema deste livro é a obra do consagrado artista pernambucano Francisco Brennand, com enfoque em sua escultura cerâmica – seu processo de concepção e realização, bem como a relação da escultura com as demais linguagens e técnicas trabalhadas pelo artista. Além de investigar vários aspectos biográficos relevantes para o entendimento da produção de Brennand, a autora estuda as diversas técnicas empregadas por ele empregadas no desenho, na pintura, nos murais e na escultura cerâmica, trazendo à tona características que permeiam toda a sua obra e constituem um “estilo brennandiano”.

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Laurindo Almeida: dos trilhos de Miracatu às trilhas em Hollywood / Alexandre Francischini.

Editora UNESP, 2009

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Resumo
Dos trilhos às trilhas é mesmo a história deste livro que descortina a vida e obra do compositor, arranjador e violonista Laurindo Almeida. A narrativa acompanha a trajetória do músico, desde o seu nascimento e infância, ao lado da via férrea, na pequena Miracatu, no litoral paulista, passando pelo Rio de Janeiro das décadas de 30 e 40, no auge da “Era do Rádio”, até sua emigração para os EUA, onde se tornou um dos músicos brasileiros de maior renome, tendo recebido, dentre inúmeros outros prêmios, o Oscar do cinema americano. O autor investiga ainda os motivos que teriam levado Laurindo Almeida – um dos violonistas mais influentes do século XX, segundo algumas enciclopédias da música-, a ocupar um lugar secundário na historiografia da música brasileira. O livro também inclui o levantamento e a catalogação de sua discografia.

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Mulheres recipientes: recortes poéticos do universo feminino nas artes visuais / Flávia Leme de Almeida.

Editora UNESP, 2010
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Resumo

Mais um lançamento da Coleção Propg Digital, por meio do selo Cultura Acadêmica, Mulheres recipientes se configura como uma obra de grande sensibilidade ao realizar a interseção entre a arte e os sentimentos femininos. Resultado da dissertação de mestrado de Flavia Leme de Almeida, é necessário destacar que este livro não se restringe às generalidades de “estudos de gênero”. A proposta aqui extrapola este conceito. A autora faz uma análise múltipla: como a mulher enxerga a vida e como ela se expressa? Como o feminino aparece na arte? A partir destas questões fundamentais ela vai até os povos ancestrais, desvelar as primeiras esculturas votivas de evocação à fertilidade. Em seguida, faz um estudo de artistas mulheres contemporâneas, evidenciando como cada uma exprime suas angústias e experiências através de suas obras, destacando Frida Khalo, Louise Bourgeois, Celeida Tostes, entre outras. Por fim, Flavia Leme faz uma autoavaliação do próprio trabalho como artista, exprimindo seu processo de criação. Mulheres recipientes realiza um estudo corajoso, que não hesita em revelar para o leitor as aflições, pensamentos e projeções do feminino. Ao analisar a arte, este livro toca no íntimo de muitas mulheres e descobre experiências que não poderiam ser conhecidas de outra forma.

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Mulheres em foco: construções cinematográficas brasileiras da participação política feminina / Danielle Tega.

Editora UNESP, 2010

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Resumo
O cinema como objeto de estudo para verificar o modo pelo qual a resistência política à ditadura militar foi representada no período a ela posterior, dando destaque à participação feminina. A análise fílmica possibilitaria observar quais elementos estariam presentes em cena para retratar tal questão, e os estudos de gênero permitiria debater de que forma as relações sociais entre os sexos eram abordadas nos filmes selecionados. Trata-se, portanto, de compreender não apenas como a resistência à ditadura é representada, mas, sobretudo, como esse passado é reconstruído nas diversas formas em que pode ser materializado pela perspectiva feminista, considerando que esta trabalha com elementos fundamentais na luta em torno da memória e pelo reconhecimento de histórias esquecidas. Nesse sentido, procuro privilegiar os pontos onde se cruzam os estudos da memória e o pensamento feminista, visto que este atinge profundamente as necessidades de um resgate histórico ao denunciar o esquecimento de reivindicações, lutas e ações das mulheres.

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O poder da cultura e a cultura no poder: a disputa simbólica da herança cultural negra no Brasil / Jocélio Teles dos Santos.

EDUFBA, 2005

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Resumo

O livro discute as políticas públicas na área de cultura, no período dos anos 60 aos anos 90, demonstrando como os símbolos afro-brasileiros foram sendo ressignificados, a partir do estabelecimento de novas demandas, seja pela política institucional ou pelos movimentos negros. Trata-se de um estudo pioneiro, principalmente quando analisadas a dinâmica da sociedade brasileira e as mudanças na adoção da simbologia de origem africana por distintos atores sociais.

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Paisagens sígnicas: uma reflexão sobre as artes visuais contemporâneas / Maria Celeste de Almeida Wanner.

EDUFBA, 2010

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Resumo
Arte, inovação, educação, ciência, medicina, comunicação, literatura, são alguns dos ingredientes que irão compor esse evento, tornando-o uma grande oportunidade de intercâmbio entre as diversas áreas. Isso sem falar no local da ocasião, o Museu de Arte da Bahia, importante patrimônio cultural do nosso p

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Tecnologia da conservação e da restauração – materiais e estruturas: um roteiro de estudos / Mário Mendonça de Oliveira. 4. ed. rev. e ampl.

EDUFBA, 2011

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Resumo

Conservar a memória da produção arquitetônica humana é o tema deste livro, que apresenta, através de minucioso trabalho, uma simplificação de conteúdos de autores renomados, procurando facilitar a árdua tarefa do aprendizado científico, combinada com observações do dia-a-dia no laboratório e de canteiros de restauro brasileiros, nos quais os pontos destacados coincidem com os temas afrontados na prática do exercício profissional.

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Projeto da Unesp dispõe livros acadêmicos para download gratuito

O professor te recomenda leituras extras, mas a grana é curta e comprar os livros se torna algo impraticável. Solução? O site Cultura Acadêmica oferece um catálogo bastante variado, com cerca de 70 títulos no total, distribuídos em temas como Agronomia, Ciências Humanas, Literatura, Arte, Design e Tecnologia.

O projeto surgiu há alguns anos como um selo da Fundação Editora Unesp, que tem como carro chefe a Editora Unesp, existente desde 1987. No entanto, a principal diferença do Cultura Acadêmica é a sua versão digital, que auxilia na ampliação de projetos acadêmicos por meio de downloads gratuitos dos livros. Para baixar as obras, basta se cadastrar no site.

Todos os conteúdos disponíveis foram produzidos nas Faculdades que integram a Unesp e receberam uma supervisão de peso, formada por um conselho editorial e uma comissão científica durante todo o processo de elaboração.

Lançamento do Livro Pesquisa Guignard – Convite

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Guignard sob luz especial : Livro revela metodologia de pesquisa abrangente sobre obra do pintor, realizada pelo Cecor/EBA e grupos da Fafich e do ICEx

Itamar Rigueira Jr.

A obra de um dos maiores pintores brasileiros ganhou estudo completo e profundo na UFMG. Meio século depois de sua morte, Alberto da Veiga Guignard (1896-1962) é tema de livro produzido pelo Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis (Cecor), da Escola de Belas-Artes. Pesquisa Guignard, que será lançado esta semana, é resultado de cerca de dez anos de pesquisa sobre 62 obras do pintor.

Organizado pela professora Anamaria Ruegger Almeida Neves e pela química Claudina Maria Dutra Moresi, o livro junta às análises técnicas – que definem uso de materiais (tintas e suportes), cores, pinceladas etc. – um levantamento bibliográfico, contextualização feita pela historiadora da arte Ivone Luzia Vieira e informações extraídas de entrevistas com ex-alunos, colecionadores, estudiosos e retratados.

“A escolha de Guignard se deve a sua importância como artista no Brasil e, em particular, em Minas Gerais, mas também a seu trabalho como professor”, justifica Anamaria Ruegger, lembrando que ele formou gerações de artistas, com metodologia própria de ensino. Claudina Moresi ressalta a importância do pintor no contexto do Modernismo e a necessidade de estudo sistemático de sua obra. “Esse gênero de trabalho, consolidado no exterior, ainda é novo no Brasil, onde há poucas iniciativas de catalogação de obras.”

A equipe da UFMG desenvolveu e revela metodologia para se conhecer uma obra de artista, que poderá ser útil até para dirimir dúvidas sobre a autenticidade das obras – especialmente no caso de Guignard, alvo de controvérsias envolvendo autoria. De acordo com Anamaria Ruegger, o grupo estudou mais obras, mas o livro só contempla as que tiveram sua autenticidade comprovada.

“O exame de algumas peças trouxe dúvidas. O que nos deu segurança foi aliar aos exames depoimentos de alunos e parentes de personalidades retratadas, histórias contadas por proprietários, fotografias de Guignard trabalhando, entre outros documentos”, salienta a pesquisadora. As entrevistas foram colhidas pelo Núcleo de História Oral da Fafich.

Outro parceiro importante foi o Departamento de Ciência da Computação, responsável pela informatização dos dados gestuais e iconográficos e pela preservação digital.

Precisão para pintar

A maior parte das obras estudadas pelo Cecor integra coleções particulares e foi analisada no laboratório, localizado na Escola de Belas-Artes. Para o estudo daquelas que pertencem ao Museu Casa Guignard, os técnicos se deslocaram até Ouro Preto. O Cecor analisou pinturas sobre tela, madeira maciça e compensada, papelão e desenho sobre papel. Algumas obras em tela e madeira começaram a ser preparadas com alunos – o livro revela manuscritos de aula, que contêm informações sobre materiais.

A pesquisa descobriu como Guignard usou as cores e os pincéis, por meio da tentativa incansável de repetição de combinações de tintas e gestos com os instrumentos. E concluiu que ele foi um pintor preciso, que pensava muito para fazer suas escolhas. “Diferentemente do que ainda se acredita, Guignard criava com intenções bem definidas, é possível garantir que uma imagem que parece borrada é intencional. Ele tinha pleno domínio sobre o que queria e o que fazia”, afirma Anamaria.

Diluição e incisões

Paisagem imaginária foi analisado por vários tipos de luzes especiais

Um dos quadros mais estudados pela equipe do Cecor é Paisagem imaginária (Noite de São João), de 1961, pertencente à coleção do Museu de Arte da Pampulha, muito representativa da fase mineira de Guignard. Em bom estado de conservação, o quadro (óleo sobre tela, 61cm x 46cm) foi analisado por diversos tipos de luzes especiais.

A luz rasante (de fonte paralela à tela) apontou relevos do suporte e da tinta, neste caso mais do suporte, já que o pintor usou tinta muito diluída. A luz transversa, que incide por trás, revelou as áreas de maior massa (quantidade de tinta). A luz ultravioleta, que encontra os pigmentos fluorescentes, mostrou que Guignard usou o vermelho e amarelo de cádmio nessa tela. A luz monocromática e o filme infravermelho deixaram perceber as linhas do desenho. Por fim, a radiografia identificou pigmentos: os elementos químicos mais pesados aparecem na cor branca, e os mais leves em tons de cinza. Nos quadros que usam a madeira como suporte, as análises revelam também incisões feitas pelo artista, como em Cristo no jardim das oliveiras, em que esse artifício acentua o sofrimento nos traços do rosto.

Outra etapa do estudo das obras envolve remoção com bisturi, de um local discreto, de microamostras do quadro, com área de 1 a 2 milímetros quadrados. Isso permite identificar os pigmentos e os aglutinantes (óleo ou têmpera, por exemplo) que formam a tinta. “No caso de Paisagem imaginária, a observação no microscópio (aumento de 10 a 200 vezes) deixou claro que Guignard usou uma camada de branco como preparação, então o cinza, e por fim as tintas coloridas. Depoimentos de alunos confirmaram que ele usava a técnica caracterizada por ‘sujar’ a tela de cinza, que altera o efeito das cores”, revela Claudina Moresi.

Ela conta ainda que os pesquisadores encontraram em duas obras – os retratos de Cecília Meireles, sobre madeira maciça, e de Ismael Nery, em papelão – carimbos que provavelmente são marcas da empresa que vendeu o material ao pintor. Outra curiosidade está ligada à descoberta de alterações realizadas pelo artista durante o processo criativo. No quadro Fantasia, os exames com luzes especiais revelam vestígios da localização anterior de uma das torres da igreja. “Algumas dessas alterações são percebidas a olho nu por quem tem mais treino”, diz Claudina. O trabalho mostrou mais sobre uma característica de Guignard: suas assinaturas, geralmente coloridas, não raro são localizadas de forma a integrar a composição da pintura.

Fugaz e eterno

Modernista por excelência, Alberto da Veiga Guignard personificou a teoria de Charles Baudelaire sobre o artista que alia o fugaz (o moderno) ao eterno (a tradição), segundo a pesquisadora Ivone Luzia Vieira, professora aposentada da UFMG e autora de capítulo em Pesquisa Guignard sobre a relação do pintor com a Modernidade.

“Em diversas de suas obras, Guignard trabalha muito bem a busca por um determinado estilo, de uma dada época, para modernizar aquela forma. Se em suas primeiras exposições os casarios coloniais aparecem próximos ao observador, na sua fase mineira ele afasta esse casario, quebrando a ilusão de espaço da perspectiva renascentista, e verticalizando o quadro. Ele mostra a sucessão de montanhas, por exemplo, não no sentido de profundidade, mas quase chegando à superfície pictórica”, explica Ivone Luzia.

A pesquisadora conta que Guignard estudou muito as flores, as quais pintou sobre fundos de paisagens surreais e distantes. Ainda de acordo com Ivone, ele foi um grande retratista, seguindo características modernas: rostos sem volume, roupas lisas, fazendo a expressão concentrar-se nos olhos e na boca.

O fluminense que ‘reinventou’ Ouro Preto

Nascido em Nova Friburgo (RJ), Guignard viveu por mais de 20 anos na Europa. Iniciou sua formação artística na Real Academia de Belas Artes de Munique e travou contato intenso com pintores modernos e suas obras. Estabeleceu-se, então, no Rio de Janeiro, como artista e professor – que baseava sua atuação mais em exemplos, gestos e expressões que em palavras.

Em 1944, convidado pelo prefeito Juscelino Kubitschek, mudou-se para Belo Horizonte para ministrar o Curso Livre de Desenho e Pintura, no Parque Municipal. A “Escolinha do Parque”, segundo informações do livro Pesquisa Guignard, mudou a maneira de se ensinar artes plásticas na cidade e formou grandes nomes da arte brasileira. Em sua passagem por Minas, Guignard tornou-se “o grande pintor de Ouro Preto, reinventando a cidade, suas montanhas e igrejas nas obras que produziu”, de acordo com a publicação.

Ivone Vieira lembra, ainda, que Guignard levava seus alunos para aulas na cidade, andava muito e instalava seu cavelete na rua, escolhendo recortes de janelas e igrejas. “Ele se apaixonou por Ouro Preto, que chamou de ‘cidade amor-inspiração’”, ressalta a professora, doutora pela Escola de Comunicação e Artes da USP e ex-docente de arte na Faculdade de Educação para alunos de licenciatura. Em Belo Horizonte, segundo ela, Guignard não mirou a paisagem arquitetônica, preferindo as montanhas, a Lagoa da Pampulha e o Parque Municipal.

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Livro: Pesquisa Guignard
Organizadoras: Claudina Maria Dutra Moresi e Anamaria Ruegger Almeida Neves
Editado pela Escola de Belas-Artes da UFMG
200 páginas / distribuição dirigida
Lançamento: 12 de abril, às 19h, no Conservatório UFMG (avenida Afonso Pena, 1534)
Apoios: entre outros parceiros, a pesquisa sobre Guignard contou com recursos da Pró-reitoria de Pesquisa da UFMG, CNPq, Fapemig e Fundep

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Consulte também na Biblioteca da Escola de Belas Artes os livros sobre Guignard.

Sugestões:

GUIGNARD. Alberto da Veiga Guignard : 1896-1962. Rio de Janeiro: Pinakotheke Cultural, 2005. 204p.

SANTA ROSA, Nereide Schilaro. Alberto da Veiga Guignard. São Paulo: Moderna, 2000. 31 p. (Mestres das artes no Brasil)

MORAIS, Frederico. Alberto da Veiga Guignard. [S.l.]: Monteiro Soares Editores e Livreiros, 1979 (Rio de Janeiro: Graf. Borrelli) 185p.