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Obra de professora da EBA aborda materialidade do livro na França do século 19.
Ana Utsch parte do fenômeno ‘Dom Quixote’ para revelar as competências técnicas e simbólicas da encadernação.
‘Dom Quixote’, em edição de 1836, da Dubochet – Acervo da autora
A professora Ana Utsch, do curso de Conservação-Restauração da Escola de Belas Artes e vinculada também à pós-graduação em Estudos Literários da UFMG, lança nesta quarta-feira, 24, pela editora francesa Garnier, o volume Rééditer Don Quichotte – Matérialité du livre dans la France du XIXe siècle.
Ana toma como objeto principal de seu estudo o clássico Dom Quixote, escrito pelo espanhol Miguel de Cervantes no início do século 17 – que se tornaria, no século 19, segundo a autora, um dos grandes livros da cultura editorial romântica francesa –, para investigar o valor técnico e simbólico da encadernação e de outros aspectos da produção editorial na França oitocentista. “O século 19 incitou a multiplicação vertiginosa das modalidades materiais do livro. Mostro como a encadernação participou dos processos de formação de público no interior do mundo editorial”, diz a pesquisadora, que se formou mestre e doutora em história cultural pela École des Hautes Études em Sciences Sociales, na França.
Algumas das novidades surgidas no século 19, como a estandardização dos livros, estão relacionadas, como observa Ana Utsch, à produção acelerada, possibilitada pelo incremento da máquina a vapor e pela progressiva mecanização dos processos de produção. “Ao mesmo tempo, ao contrário do que se pode imaginar, os editores entenderam que era hora de diversificar a distribuição, por meio da multiplicação da materialidade do livro, e passaram a ser criados programas editoriais distintos para a mesma obra, atendendo às diferentes camadas de um público leitor em formação”, explica a autora.
Ana dedica parte de seu trabalho a dois editores emblemáticos: Léon Curmer e Louis Hachette. O primeiro, segundo ela, “inovou e inventou a demanda, criou o culto ao belo livro”. Ele aumentou tiragens e apresentou-as em fascículos e nas formas de brochuras, encadernações simples ou luxuosas. Hachette, por sua vez, “respondeu com eficiência à demanda gerada pelos primeiros conquistadores e se afirmou como editor bem-sucedido do primeiro capitalismo editorial”.
Encadernar era ilustrar.
Em outros capítulos de Réediter Don Quichotte, a professora da UFMG revela como a encadernação foi posta em circulação entre as comunidades de leitores criadas naquele momento histórico, mostra que encadernar era também ilustrar o texto e constata que, na segunda metade do século 19, os procedimentos de produção do livro estabilizaram-se, e a estratégia de diversificação de formatos foi bem-sucedida. Ana Utsch comenta que as coleções editoriais organizavam-se em listas tematizadas, em que o critério central era, muitas vezes, o tipo de encadernação. “O objetivo era orientar o leitor ou o comprador, e a escolha se pautava sobretudo pelo preço, determinado pelo grau de sofisticação da edição.”
O grupo Garnier, que se consolidou na segunda metade do século 19 e foi nesse período, segundo a autora, uma das principais editoras da obra de Cervantes, merece destaque no livro de Ana Utsch. “A Garnier levou Dom Quixote também para o mundo ibero-americano e criou novos nichos de difusão – por exemplo, recuperando e publicando uma antiga tradução para o público infantil”, afirma a pesquisadora, que integra o grupo de coordenação da Rede Latino-americana de Cultura Gráfica.
Ana Utsch apresenta os estilos decorativos que marcaram as numerosas edições de Dom Quixote e inova ao estudar o mundo da encadernação com base em uma única obra. “Minha pesquisa demonstra como Quixote nos possibilita identificar unidades temáticas e estilísticas, com diferentes matizes ideológicos e políticos, que atravessaram o mundo editorial francês do século 19″, ela diz. “Produzo uma história da encadernação, mas também da literatura e da apropriação do livro naquele período.”
No prefácio de Rééditer Don Quichotte, Roger Chartier, um dos maiores nomes da história da edição, do livro e da leitura – e orientador de Ana Utsch nas pesquisas de mestrado e doutorado –, lembra que ela é uma “encadernadora inventiva”, além de historiadora rigorosa. Chartier afirma que o trabalho “é uma grande contribuição para a história da materialidade dos textos”. Escreve ainda o professor francês: “A composição industrial assegura a uniformidade textual dos exemplares enquanto a extrema diversidade das encadernações garante a singularidade no seio da reprodução mecânica. Esta interseção essencial é colocada em evidência, pela primeira vez, neste livro”.
Livro: Rééditer Don Quichotte – Matérialité du livre dans la France du XIXe siècle
Autora: Ana Utsch
Editora: Classiques Garnier
Lançamento: 24 de junho.
Fonte: Cedecom UFMG – Itamar Rigueira Jr.
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