Agráfica

O editor Gilberto José Jorge doou um exemplar do álbum Agráfica, reunindo poemas visuais e caligrafias e impresso em serigrafia por Omar Guedes.  Abaixo, transcrevemos uma resenha feita pelo poeta Ademir Assunção na época do lançamento, em 1987.

Quando o obstetra Edgard Braga lançou seus primeiros “poemas caligráficos”, houve um estrondoso silêncio. É provável que, ainda hoje, críticos acadêmicos considerem seus garranchos como meros devaneios de um velho gagá. Também foram poucos os poetas que perceberam nos livros Tatuagens (1976) e Murograma (1982) a recuperação de uma antiga prática da humanidade: a caligrafia. Enquanto a poesia concreta explorava a dimensão visual da linguagem poética com recursos industriais (filmletras, letra-set etc.), Braga ajudou a implodir a sintaxe tradicional, pela via oposta. Ele não é o pioneiro no exercício da caligrafia, como elemento poético. Mas é o “franco inspirador” do álbum AGRÁFICA, editado por Gilberto José Jorge, que está sendo lançado hoje, às 20 horas, no Paço das Artes (av. Europa, 158).

“Não posso dizer que todos os artistas que participam do álbum — um total de 20 — tenham influências diretas de Edgard Braga. Mas a idéia de fazer um trabalho dessa natureza começou a esquentar na minha cabeça depois que vi uma exposição com poemas dele, no Centro Cultural, em novembro de 84, alguns meses antes de sua morte”, diz Gilberto. Se a linguagem de cada um dos artistas trafega por vias múltiplas, pelo menos um ponto de confluência existe: o revide à camisa-de-força da linguagem tradicional, com uma imantação entre a poesia, as artes plásticas e o desenho pessoal, intransferível. O processo serigráfico, comandado por Omar Guedes, propaga também o ruído da produção artesanal num ambiente hiperindustrializado.

“Esse álbum é quase totalmente feito à mão. O fato de ser um produto de artesanato, num contexto pós-industrial, pesa como um im­portante fator de linguagem. Além disso, a escrita à mão quebra todo um costume ocidental de leitura. Ela é muito provocativa”, cutuca Gil­berto, remetendo-se aos estudos de Ezra Pound — via o filólogo Ernest Fenolosa — sobre o ideograma chinês. Para o oriental, o exercício da caligrafia é uma arte maior e milenar. A própria escrita chinesa joga com lances de semelhança com o objeto que procura representar, buscando sua essência em mínimos traços. “Uma vez que não existe na China uma nítida diferenciação entre pintura, caligrafia e poesia, o poeta é mui­tas vezes calígrafo e pintor”, esclarece o italiano Girolano Mancuso, citado no livro Ideograma, de Haroldo de Campos. O Ocidente é que sepa­rou e complicou tudo.

No álbum AGRÁFICA, a dissolução das fronteiras entre a poesia e a pintura é tocada a sutis pinceladas e caligrafias multiformes. O cineasta Júlio Bressane entra com um “quase pictograma” do Rio de Janeiro: na palavra RIO, em fundo azul, está embutido o Pão de Açúcar. Décio Pignatari psicografa Oswald de Andrade. Gilberto José Jorge, também. O artista plástico Aguillar, cujos trabalhos normalmente são supercoloridos, surpreende com um caligrama em preto e branco. Gô — também artista plástica, poeta, compositora e letrista — traça gestuais que tendem talvez a simbologias mágicas. São apenas alguns exemplos. No álbum estão reuni­dos ainda: Ângelo Marzano, Arnaldo Antunes, Betty Leirner, Edgard Braga, Fábio Moreira Leite, José Guilherme, Julio Plaza, Mariana Pabst Martins, Leon Ferrari, Marsicano, Renato Lelé Maia, Salvador Martins, Silvana Lacreta, Tadeu Jungle e Walt. B. Blackberry.

“A caligrafia quebra a sintaxe do poema. Apesar de ser uma prática bem antiga, é uma forma nova do fazer poético. E ainda recupera um aspecto mágico da escrita. Há trabalhos que, se fossem feitos em off-set, perderiam esse significado mágico. E aí entra também a impor­tante contribuição da serigrafia”, afirma Gilber­to, lamentando as fatais incompreensões.

Ademir Assunção
Caderno 2 – Estadão, 02 de julho de 1987

Jornal Dobrabil

Glauco Mattoso. Jornal Dobrabil
São Paulo: Iluminuras, 2001.

Glauco Mattoso

Em 1977, quando morava no Rio, dei início à publicação dum boletim satírico cuja repercussão superou minhas expectativas mais ambiciosas. Trata‑se do JORNAL DOBRABIL, título que trocadilha com o JB e com a dobrabilidade duma única folha de papel tamanho ofício, em que se resumia o volante. Era o auge da chamada literatura marginal, dos poetas do mimeógrafo & da imprensa alternativa. Como eu vivia só e sem amigos, não dispunha sequer do esquema de mutirão das patotas tipo Nuvem Cigana, Pindaíba ou Sanguinovo. Contava apenas com a máquina de escrever (manual, of course) e o xerox da copiadora mais próxima. O resto ficava a cargo da criatividade. E foi justamente pra ironizar essa criatividade tão desprovida de infra‑estrutura que me propus a satirizar todas as estruturas, incluindo o próprio ato de criação artística. Juntei os ingredientes pertinentes ‑ o tosco simulacro de grande imprensa; a paródia de chavões literários; o contraste insólito entre conceitos eruditos/ vanguardistas e efeitos escatológicos do mais chulo nível; a apologia do plágio & do apócrifo, bem como a negação de toda autoridade intelectual através da subversão da própria autoria ‑ e apresentei essa mixórdia sob a forma de datilografia artesanal onde as letras garrafais eram construídas por uma “computação gráfica” puramente “olhométrica” & rudimentar. Cada folha, xerocada frente e verso, era enviada como carta a destinatários escolhidos a dedo entre as cabeças pensantes formadoras de opinião dentro da intelligentsia & da mídia (Millôr, Caetano, Houaiss, Augusto de Campos, Pignatari), e foi graças a tal estratégia que uma tiragem ridícula de 100 ou 200 cópias ganhou dimensão de “circulação” e “influência”, a ponto semear procedimentos posteriormente aproveitados por outros órgãos de humor, como a MATRACA e o PLANETA DIÁRIO, que adotaram “manchetes” calemburistas ao estilo Dobrabil (uma de minhas primeiras foi “Falcão vira arara” numa época em que o ministro da justiça não deixava passar nem o Feliz ano novo do Rubem, quanto mais o Feliz ano velho do Rubens). Outro recurso largamente difundido foi a seção de cartas à redação onde se misturavam opiniões autênticas com forjadas, todas debochadamente respondidas, de modo a fazer com que o leitor perdesse quaisquer referenciais de veracidade. Após quatro anos de periodicidade irregularíssima, reproduzi em 81 os 53 “números” do Dobrabil num álbum luxuosamente impresso, lancei dois fascículos da REVISTA DEDO MINGO, sua sucessora de breve vida, e parti pra outras iniciativas na área da poesia, do humor e do ensaio. Ficou, porém, a imagem do Dobrabil ligada a uma atitude irreverente & iconoclasta, que não poupava a própria imprensa marginal e nem mesmo a “originalidade” que me atribuíam, a despeito de antecedentes próximos ou remotos, como o PASQUIM e a REVISTA DE ANTROPOFAGIA.

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À guisa de amostra, seguem alguns momentos daquela (auto) gozação:

A obra é um roubo. O leitor é um bobo. O autor é um ladrão. A autoria é uma usurpação. A criação é uma fraude. Criatividade é repertório. Imaginação é memória. Idéia não é propriedade. (número 2, 1977)

UM JORNAL SEM NOVIDADES. JD não é o primeiro a dar as últimas, nem o último a dar as primeiras. JD só dá matéria de segunda mão, embora com segundas intenções. O único furo do JD é de tanto bater. Que o digam o seu vizinho direito do datilógrafo, o “o” minúsculo e o caralho. JD: SEMPRE NA MESMA TECLA. (número 16,1977)

JD não se responsabiliza pelos conceitos assinados. Aliás, JD não se responsabiliza nem pelas assinaturas… JD: O JORNAL QUE ASSINA O LEITOR. (número 19,1977)

“O Jornal Dobrabil é mesmo uma caixinha de surpresas. O que mais me impressionou foi a total irresponsabilidade pelas matérias, assinadas ou não. Tudo parece apócrifo. Você e Pedro assinam como próprias citações alheias, dão como alheias citações próprias e, quando indicam o verdadeiro autor, adulteram suas palavras, enxertando termos que jamais usou. Isso é que é dar ao diabo o que é de César e a César o que é de Deus. E viva o anarquismo!” ‑ Arthur da Távola, Rio, RJ

(Nós inda fazemos mais que isso: às vezes damos ao Diabo o que é dele e nos apropriamos de nossas próprias palavras. Arte gratuita bem entendida é isso: dar e tomar, sem olhar a quem. ‑ Glauco Mattoso)

“Entrei na de vocês e estou mandando uns pensamentos que surrupiei do Pascal. Quem sabe vocês conseguem contrabandeá‑los como produto marxista.” ‑ Luiz Carlos MacieI, Rio, RJ.

(Mas quem disse que queremos impingir Pascal por Marx? Isto, por exemplo ‑ “É muito melhor conhecer algo acerca de tudo que tudo acerca de uma coisa só: o universal é sempre melhor.” ‑ só tem graça se for assinado por Rockefeller. Marx assinaria melhor algo como “É preferível ser dono de um valentão que escravo de dois.” ‑ Pedro o Podre) (número 19,1977)

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O gênio não passa dum medíocre maior que os outros. A originalidade é apenas uma imitação melhor que as outras. E talvez nem isso: se uns autores e suas obras ganham importância, é porque o público não conhece todos os autores, e nenhum autor é conhecido por todo o público. (número 21, 1977)

Estão me comparando ao Millôr Fernandes. Isso não é injusto, porém encerra um equívoco. Claro que o Millôr é um autêntico gênio do plágio inteligente, e eu seu discípulo, mas ele se considera um humorista, e eu apenas um artista. A diferença está em nós, não no que fazemos. Pois, pra todos os efeitos, o humor só pode ser trazido a sério, e a arte é ridícula. (número 26, 1979) Todo grande clássico da literatura é um plágio, ainda que não intencional. E todo grande manifesto da vanguarda é um clássico, ainda que não intencional. Os pequenos plágios são intencionais, ainda que não. (número 28,1979)

Há títulos tão bons que não deveriam ter livro. E há plágios tão bem feitos, que o original não deveria existir. Mas já que têm e existem, o jeito é plagiar os títulos e intitular os plágios. (número 28, 1979)

Arte é tudo aquilo que não tem utilidade ou que, tendo utilidade, a questiona (questiona‑se a utilidade de alguma coisa usando a coisa para outra utilidade ou a utilidade para outra coisa). Antiarte seria tudo que, embora aparentemente inútil, tem a utilidade de mostrar que a arte não tem utilidade. A estética, portanto, não existe, pois sempre se descobrem utilidades para aquilo que é artístico, e sempre se inventam artes para aquilo que é utilitário, e assim não se podem estabelecer leis para separar o útil do agradável e o inútil do desagradável. (número 14, 1977)

A crítica é a arte de avaliar a arte. Como a arte não vale nada, a crítica é inútil. Sendo inútil, é necessariamente uma arte e igualmente importante. Dar‑lhe a devida importância consiste, pois, em não levá‑la a sério. (número 15, 1977)

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Glauco Mattoso é poeta, ensaísta,ficcionista e desenhista. Seus últimos livros publicados são: Rockabillyrcy, de 1988 (poesia); A estrada do roqueiro: raízes, ramos & rumos do rock brasileiro, de 1988 (ensaio); As solas do sádico, de 1990 (ficção); As aventuras de Glaucomix, o pedólatra, de 1989, em parceria com Marcatti (história em quadrinhos).

Mattoso, Glauco. Jornal Dobrabil. 34 Letras, Rio de Janeiro, Editora 34, nº 5/6, setembro de 1989.

Artéria 9

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Omar Khouri e Paulo Miranda (editores).
Artéria 9
São Paulo: Nomuque Edições, 2007.
Sulfite (miolo) e cartão (capa) impressão em offset.
Projeto gráfico e diagramação: Vanderlei Lopes
Capa e 4ª capa: Trabalho de Inês Raphaelian.
[76]
19 x 28 cm
Tiragem: 1000 exemplares

Participam desta edição:
Aldo Fortes; Alexandre Azeredo; Alice Ruiz; André Vallias; Anna Barros; Antonio Lizárraga; Arnaldo Antunes; Augusto de Campos; Betty Leirner; Carlos Rennó; Célia Mello; Daniele Gomes de Oliveira; Décio Pignatari; Diniz Gonçalves; Dulce Horta; Dumas; Edgar Braga; Elson Fróes; Eric Rieser; Ernane Guimarães Neto; Erthos Albino de Souza; Fabiana de Barros; Fábio Oliveira Nunes; Felipe Martins-Paros; Fernanda Brenner; Fernando ângulo; Fernando Laszlo; Francisco Magaldi; Gabriel Marzinotto; Gastão Debreix; Gerty Saruê; Gilberto [Gil] José Jorge; Glauco Mattoso; Go; Gustavo Arruda; Gustavo Vinagre; Haroldo de Campos; Inês Raphaelian; Ivan Cardoso; Ivana Vollaro; João Bandeira; Jorge Luiz Antonio; Júlio Mendonça; Julio Plaza; K.Kaváfis; Lenora de Barros; Letícia Maria Tonon; Lúcio Agra; Luz del Olmo; Marcelo Mota; Marcial; Marcos Rogério Ferraz; Omar Khouri [Dr. Ângelo Monaqueu]; Paulo Miranda; Peter de Brito; Priscilla Davanzo; Regina Vater; Roland de Azeredo Campos; Ronaldo Azeredo; Sergio Monteiro de Almeida; Sonia Fontanezi; Tadeu Jungle; Thiago Rodrigues; Tiago Lafer; Vanderlei Lopes; V. Khliébnikov; Vinicius de Oliveira; Walter Silveira [Walt B. Blackberry]; Zéluiz Valero

4 Achados Construídos

Philadelpho Menezes
 4 Achados Construídos
Poemas 1978  1979  1980.

Arte Ana Aly.
[São Paulo], ed. do autor, [1980]
formato 14 x 14 cm

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Livro com poemas a partir de experimentos concretistas e do poema-processo, incluindo um desdobrável. No site do Antonio Miranda, mais informações sobre o autor.

poema Anacíclicos, dedicado a Ana Aly

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Vendo Alma Vagabunda com Tatuaje del Che

Pinky Wainer, 1954 – (Rio de Janeiro/BRASIL)
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São Paulo: Editora do Bispo, 2006.Nova edição revisitada.
[220] p.: il. p&b ; 17 x 10 x 1,8 cm.
Impressão em offset.
Brochura

Notas:
Exemplar com intervenção gráfica e fotografias coladas pela autora.
“No verão de 2004, foram impressas 150 cópias deste livro pela editora Fina Flor. Esta é uma nova edição revisitada pela autora e finalizada em novembro de 2006 para a Editora do Bispo”.
“O título deste livro foi capturado pichado numa parede de Quito, Equador, 2002”.

ISBN: 8560054065

“Nas minas de diamante da África do Sul, quando podem, os mineradores engolem um diamante para vender no mercado negro. Se pegos são mortos para que se retire o diamante das entranhas do cadáver. Afinal, business is business.” Pequenas fábulas violentas, Eros & Tanatos, Hanna Arendt no photoshop, ensaios para tattoos, desenhos, recortes, carimbos, fotos, provocações gráficas e manifestos políticos modernos. O mais surpreendente nesta obra é que cada livro é único, pois depois de impresso passa por nova intervenção manual de Pinky Wainer.”

O livro pode ser adquirido na Editora do Bispo