Saudades de um punhal

Leila Danziger

Saudades de um punhal – Carol D’Ultra Vaz

Rio de Janeiro, Armários Azuis, 2019

128 p.

13 x 19 cm

200 ex.

ISBN 978-65-901182-0-2


Em novembro de 2008, dei início a um blog – esparso, lento, ocasional. Via-o como extensão pública do ateliê. Pensava-o sem leitores, a não ser por uma amiga francesa, tão querida quanto distante, que vivia então na Nova Caledônia.

Em abril de 2009, ao acessar o blog, encontrei um comentário sobre um texto que eu havia publicado sobre meu pai. Dias depois, a mesma pessoa retornou. Deixou outros dois comentários. Conversamos sobre poesia (Paul Celan, Yehuda Amichai), barcos em mares que não existem, xales de oração, vestidos que se animam com o vento, djellabas. Brinquei que assim talvez passasse a levar meu suposto blog a sério. Dia sim, dia não, passei a visitá-la também e ver o que escrevia em Saudades de um punhal, seu blog mantido com regularidade, cujo título fazia alusão a um conto de Robert Walser (“Sehnsucht nach einem Dolch”, 1917).

Certo dia, ao visitar seu blog, não encontrei nenhuma nova postagem, mas um comentário trazia a notícia de sua morte, ocorrida em São Paulo, em uma madrugada fria de sábado, 30 de maio de 2009. Não sei mais o que se passava no mundo naquele dia, mas em minha agenda, encontrei a anotação: “abrir avenidas pela casa”.

Penso ainda nesse encontro, cuja duração foi a de um fósforo que se acende e se apaga. Nos esbarramos em uma calçada, enquanto seguíamos em direções opostas na multidão. Ela deixou deixa cair um objeto. Eu o recolho, quero devolvê-lo, ainda corro em sua direção, tento localizar seu vulto de costas (é assim que ela se mostra em seu perfil on line). Procuro decifrar a fricção desse encontro feito apenas de escrita, reter o objeto deixado para trás. Guardo a lembrança de sua última postagem, que descrevia um percurso de alguém arduamente treinado em inconstâncias, uma fuga-em-abismo por entre estações de metrô e linhas de ônibus, cujo ponto de chegada era o link para um outro blog.

Entre outras características, ela se identificava como “chronically melancholic, great cook, obsessed with psychoanalysis and detective novels, lazy in the mornings and sarcastic at nights”. Tinha trinta e dois anos.

Neste livro, retomo a promessa feita em uma publicação de 2014: a de recolher e editar vestígios da escrita de Carol D’Utra Vaz na internet. Com o desaparecimento de seu blog, recolhi algumas de suas postagens no Facebook e, em menor número no Twitter, onde não estivemos em contato, pois em 2009, eu não estava em nenhuma rede social..

Percebo que há uma gradação em sua escrita praticada nos diferentes meios em que esteve atuante: no blog, as postagens oscilavam entre o comentário, o ensaio breve e o poema em prosa, se me lembro bem. No Facebook, ela faz pouco uso de imagens e aproveita a forma como seu nome aparece na plataforma, integrando-o muitas vezes como sujeito de suas frases – brevíssimas e confessionais – em que a angústia extrema e o humor são inseparáveis (feliz & sangrando, escreve em 26 de abril). No Twitter, sua voz vai vai-se tornando espessa, escura, náufraga.

Volver, volver, volver, repete em 27 de março, antes de se entregar aos oráculos do Facebook. Que bruja eres? Which Shakespearean character would you be? Which philosopher are you? Em abril, pensa em comprar um cadeado de diamantes, cantarola Sinatra, devaneia, procrastina, se apaixona pelo Pior Homem do Mundo, e, quando a insônia permite, sonha, sonha muito (com ouriços do mar, com palavras cruzadas ou em alemão).

Se quase todos os links compartilhados em suas postagens se tornaram indisponíveis, a intertextualidade ativada pelos fragmentos que compartilhou segue viva. Cita com paixão: Herbert Helder, Sylvia Plath, Pessoa e, claro, Paul Celan, que é o nome de seu gato “miador”. “Só Celan salva”, escreve.

Em 17 de maio, compartilha um anúncio de alguém em busca de companhia para viajar no tempo (sem garantias, adverte o anunciante.) Minha aposta é que ela não escolheria o passado. O vetor temporal do que lança na rede é mesmo o futuro. Em 24 de fevereiro, anuncia uma casa nova, em 24 de maio canta “tengo um  un nuevo amor”. Havia uma pesquisa de mestrado no horizonte. Havia horizonte.

E resta uma voz, uma escrita tênue, embrionária, decididamente polifônica, ávida por interlocução, cujos vestígios reúno aqui. Sigo a cronologia de suas publicações, todas realizadas entre fevereiro e maio de 2009. Admiro sua concisão em tempos tão prolixos, sua auto-ironia e, sobretudo, sua necessidade de poesia, cinema e música, elementos que lhe eram vitais como o ar.

Em diálogo oblíquo com sua escrita na rede, ofereço meus cadernos, alguns guardados desde o final da década de 1980. São objetos da intimidade, ensimesmados talvez. Ao contrário das postagens nas redes sociais, não foram feitos para ser compartilhados, senão como a imagem do que se esconde, do que se perde, do que é em vão.

https://www.armariosazuis.com/saudades-de-um-punhal

Ma Vie

Christophe Viart

Ma vie

Rennes, Escola Europeia de Arte da Bretanha, 2017

11 x 16 cm

80p.

ISBN 978-2-906127-55-5

Neste pequeno livro de artista, Christophe Viart reproduz todas as páginas de rosto (ímpares e pares) das obras presentes em sua obra em evolução Ma vie, que pertence à coleção Frac Bretagne. Em uma biblioteca, reúne todas as obras autobiográficas que têm o título “Minha Vida”. Então avizinha Jane Fonda, Alma Mahler, Golda Meir, Bill Clinton, “uma grande diversidade de destinos por trás de um único título”. Em forma de conclusão, algumas páginas em branco convidam o leitor a continuar a história, a coleção.

T.S.

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Mabe Bethônico
T.S.
São Paulo, IKREK, 2017
15,5 x 23 cm
128 p.
Offset
ISBN: 9788567769127

Mabe trabalha com arquivos e instituições, criando ficções e viabilizando debates por meio de publicações, palestras e instalações. No livro, conta a história de T.S., suíço que teve grande exposição na cena artística brasileira, mas que foi apagado da história oficial. Mabe reúne uma farta documentação sobre o pintor, mas aplica uma tarja branca sobre seu nome.

T.S. . Mabe Bethônico

Fe y alegria

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Leornado Herrera Madrid
Fe y alegria
Bogotá, Salvaje, 2015
12 x 19 cm.
80 p.
ISBN: 978.958.59241-0-9

Leonardo Herrera escribe listas de cosas que tal vez sería mejor olvidar, también de otras que tienen que ser recordadas. Aunque parece un ejercicio inocente de escritura, sentarse a pensar las veces que uno ha amado o cómo ha celebrado sus cumpleaños, es también un acto político poderoso. En un sistema en el que se nos enseña sistemáticamente a olvidar y a mirar la historia como una sucesión de momentos heroicos del establecimiento, es bueno recordar que también hay una milimetría de los acontecimientos que es capaz de erosionar esos relatos pomposos y grandilocuentes. Una especie de militancia de lo mínimo, del día a día.

En esa militancia estamos inscritos, aunque no lo hayamos decidido así, cada uno de nosotros. Nuestras vidas, la manera en que nos lavamos los dientes, los recorridos que hacemos en la ciudad, las drogas que consumimos y las terribles y egoístas decisiones que tomamos hacia las personas que amamos y que nos aman, son los estandartes de nuestra política y hegemonía personal. Son los mitos y los relatos de nuestro presente, nuestras banderas y escudos, himnos y demás pendejadas burocráticas; también son nuestros propios movimientos de liberación nacional, bombazos a los edificios de nuestra estupidez, toneladas de perico exportadas en lanchas rápidas hasta nuestra capacidad de ser coherentes, edificaciones inmensas construidas en terrenos ilegales, tomas y retomas de los palacios de nuestra propia justicia.

En últimas todo eso que supuestamente nos define pero que también, en últimas, puede ser simplemente un invento, una idea ridícula y heroica de nosotros mismos y de los demás. Una lista de interminables pequeñeces que nunca van a dejar de serlo, que siempre van a vivir en la esfera política de lo milimétrico y que siempre nos van a recordar cuantas y cuan profundamente la hemos cagado.

https://cargocollective.com/nadabogota/Fe-y-alegria-1

Histoire de bouts de

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Estelle Frédet
Histoire de bouts de 
Rennes, Éditions incertain Sens, 2003.
15 x 15 cm
32 p.
ISBN 2-914291-10-8

A força desse livro de artista vem de algo muito clássico, ou seja, o conteúdo das letras, gravado durante as entrevistas com a Sra. Landini, uma Marselhesa de 84 anos. Ela relata sua vida, inteiramente focada em um amor vivido em sua juventude. Embora infeliz, este encontro de um homem continua a questionar toda a sua vida, e gera palavras de profunda sabedoria que são ao mesmo tempo as de uma perspectiva assustadora. “Eu me deixo viver, isso é tudo”, diz ela. No livreto, em torno dessas palavras, Estelle Frédet mexeu com atmosfera, documento, poesia, reflexão. E Serge Daney evoca: “A questão da enunciação está sempre ligada àquela do poder: poder falar, poder não falar, poder falar de outra maneira”.

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“La force de ce livre d’artiste vient de quelque chose de très classique, à savoir du contenu des paroles, enregistrées lors des entretiens avec madame Landini, une Marseillaise de 84 ans. Elle raconte sa vie, entièrement concentrée sur un amour vécu dans sa jeunesse. Bien que malheureuse, cette rencontre d’un homme continue à interroger toute sa vie, et génère des paroles d’une profonde sagesse qui sont en même temps celles d’un perspectivisme effrayant. “Je me laisse vivre, c’est tout”, dit-elle. Dans le livret, autour de ces paroles, Estelle Frédet agite ambiance, document, poésie, réflexion. Et évoque Serge Daney : “La question de l’énonciation est toujours liée à celle du pouvoir : pouvoir parler, pouvoir ne pas parler, pouvoir parler autrement”.”

https://www.sites.univ-rennes2.fr/arts-pratiques-poetiques/incertain-sens/fiche_histoire_de_bouts_E_Fredet.htm

The Life and Times of Butch Dykes series

chavelavargas

Eloisa Aquino ( Brasil, 1970)
Chavela Vargas
16 p.
10 x 13 cm
Photocopy
Montreal,  Publisher B&D Press, 2009
ISBN 9780978176341

This first issue in the series, The Life And Times Of Butch Dykes, chronicles the life of legendary Costa Rican born singer Chavela Vargas through bold black and white illustrations accompanied by equally as bold statements covering Vargas vivaciously uncompromising lifestyle.

jdsamsom

Eloisa Aquino ( Brasil, 1970)
JD Samson
16 p.
10 x 13 cm
Process Photocopy
Montreal,  Publisher B&D Press, 2009
ISBN 9780978176327

Issue 2, Vol. 1 in the series The Life And Times Of Butch Dykes is devoted to lesbian icon JD Samson, the mustache sporting artist and member of the electropunk band Le Tigre.

martina

Eloisa Aquino ( Brasil, 1970)
Martina Navratilova
16 p.
10 x 13 cm
fotocópia
Montreal,  B&D Press, 2011
ISBN 9780987760609

Issue 1, Vol. 3 in the series The Life And Times Of Butch Dykes is devoted to Czech American tennis player, Martina Navratilova.

https://banddpress.ca

Histoire de bouts de ….

historie
Estelle Frédet
Histoire de bouts de ….
Rennes, Incertain Sens, 2003
dos carré cousu collé
offset quadrichromie
[32p.]
15 x 15 cm
isbn 2-914291-10-8

La force de ce livre d’artiste vient de quelque chose de très classique, à savoir du contenu des paroles, enregistrées lors des entretiens avec madame Landini, une Marseillaise de 84 ans. Elle raconte sa vie, entièrement concentrée sur un amour vécu dans sa jeunesse. Bien que malheureuse, cette rencontre d’un homme continue à interroger toute sa vie, et génère des paroles d’une profonde sagesse qui sont en même temps celles d’un perspectivisme effrayant. “Je me laisse vivre, c’est tout”, dit-elle. Dans le livret, autour de ces paroles, Estelle Frédet agite ambiance, document, poésie, réflexion. Et évoque Serge Daney : “La question de l’énonciation est toujours liée à celle du pouvoir : pouvoir parler, pouvoir ne pas parler, pouvoir parler autrement”.

Autobiography

autobiography


Robert Barry
Autobiography
Rennes, Incertain Sens, 2006
dos carré cousu collé
offset noir & blanc et une couleur
[232p.]
22 x 22 cm
1000 ex.
isbn 2-914291-16-7

Il y a des autobiographies qui ne racontent pas la vie de l’auteur. Impersonnelle, l’Autobiography de Robert Barry déplace l’attention du lecteur vers l’espace qui relie sa vie à celle des personnes qui font partie de sa vie. Les portraits d’artistes, d’amis, de membres de sa famille, presque effacés par l’impression pale, mais non privés de leurs couleurs propres, s’associent ou se heurtent à des idées évoquées par de simples mots. La vie (-bio-) de l’artiste (auto-) est invoquée à travers l’environnement ainsi retracé. Le lecteur est invité à la réécrire (-graphy) à partir des relations entre mots/idées et portraits/personnes, qui en constituent le milieu propre.

vinte e cinco

Rafael RG (1)
vinte e cinco
Rafael RG
Ikrek
São Paulo, 2014
impresso em Pantone 186u sobre papel Pólen.
15,5 cm x 23 cm
128 p.
300 unidades, numeradas; formato (fechado)

Rafael RG (4)

Rafael RG traz duas fontes para construção de seus trabalhos: uma documental e outra afetiva. A interação entre esses dois locais resulta em obras que quase sempre se aproximam de uma ficção. Isso acontece pelo uso de documentos garimpados em arquivos institucionais ou pessoais somado a narrativas que sempre envolvem sua pessoa ou um alter ego.

Rafael RG (2)

Ao reunir memórias suas e de agentes seminais do campo das artes para sua formação (Ivo Mesquita, Paulo Monteiro e Rochelle Costi), além de documentos que remetem às informações compiladas, Rafael RG constrói um registro verídico de situações que perpassam os 25 anos de cada um desses personagens e deixa em aberto – ou em branco – o que se passou, o que se passa, e o que se passará depois dessa idade que considera crucial, em virtude da frase legada pelo poeta colombiano Andrés Caicedo: Es uma vergüenza vivir más de 25 años en este mundo.

Rafael RG (5)

As entrevistas, realizadas num intervalo de tempo de quase dois anos, não buscam um ponto final nas histórias contadas; por essa razão, talvez, terminem de forma abrupta. As falas de Rafael RG emergem de um fundo tingido da mesma cor dessas informações recolhidas – o roxo dos relatos, documentos e memórias –, e têm tipografia em corpo 25, prendendo sua fala às suas fontes e a esse número, que também domina a paginação do livro. Ao final, a carta àquele que lhe inspirou a obra parece livrá-lo do algarismo, das memórias e da vergonha da idade, resultando em páginas a serem preenchidas.

http://www.ikrek.com.br/vinte-e-cinco/

36 : Primeira Pessoa

E1P4-01

Fabio Morais
36 : Primeira pessoa, 1964-1968-1975-2011
8 folhas
30 x 26 cm.

Jornal distribuído durante a exposição “Símile-Fac” na Galeria Vermelho, São Paulo, no período de 24/01 a 18/02/2012. Sua capa reproduz a revista Manchete que, na época, anunciou o golpe de 1964 no Brasil. No interior do jornal, há a reprodução da primeira reportagem que saiu na grande imprensa brasileira sobre o Tropicalismo, na revista O Cruzeiro de abril de 1968. Margeando os fac-símiles históricos, há um texto em primeira pessoa, de alguém que se sente transpassado pela História e, ao mesmo tempo, gostaria de estar à margem dela.