O espaço social da arte

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Anna Bella Geiger
A Recreativa/Ikrek
projeto Dupla central
São Paulo, 2016

A Ikrek Edições, editora especializada em livros de artista, em parceria com a revista de palavras cruzadas e passatempos A Recreativa, a mais antiga do país, há mais de 60 anos no mercado, inicia um novo projeto de arte impressa: a ocupação da dupla central da revista A Recreativa por um artista contemporâneo.

Para a quarta edição do projeto Dupla Central, Anna Bella Geiger escolheu a obra O espaço social da arte, realizada em 1977. Nela, as palavras datilografadas, visíveis ou encobertas pelos continentes, revelam paradigmas das relações entre centro e periferia,  além das influências, dependências e espaços de liberdade no mundo da arte.

Nos anos 1970, sua produção assume um caráter experimental, que ela afirma ser o único modo da arte. Ela passa a ter a necessidade de utilizar outros meios, tais como a fotomontagem, fotogravura, xerox, Super-8 e vídeo. Com os seus trabalhos audiovisuais de forte intenção política, Anna Bella encontra-se em uma posição praticamente única no meio da arte, pois seu trabalho, tendo passado pelo moderno, chegou ao contemporâneo de forma bem-sucedida. As questões abordadas em suas obras dos anos 1970, por exemplo, ainda são incrivelmente relevantes, tanto as produzidas agora quanto as anteriores. Ao levantar questões que irão compor a contemporaneidade, as obras de Geiger aproximam a arte do pensamento crítico. Percebendo questões sociais, como a burocracia e o uso da imagem feminina, além de uma observação aguda do cenário artístico, a artista tomou um lugar pioneiro na vídeo-arte.

Não

Fabio Morais (2)

Não
Fabio Morais
São Paulo: Ikrek, 2014
23 x 15,5 cm.
128 p.
papel eurobulk em cor especial, acondicionado em luva rígida revestida de papel colorplus e impressão serigráfica.

Fabio Morais (3)

Fabio Morais, que tem o livro como base de suas investigações artísticas, foi convidado a inaugurar a série “ponto e vírgula”. Em um exercício de referência à história da impressão (e da expressão) no Brasil, Fabio escreve textos, reúne referências e cria diálogos que cobrem o tema desde o século XVIII – com a possível chegada de tipografias ao país, passando pela proibição de suas instalações, até a autorização concedida em 1808, com a transferência da Corte portuguesa para o país – até a censura instituída pelo golpe de 1964, chegando aos anos 2000, onde torna evidente a comunicação instantânea dos novos meios.

Fabio Morais (5)

Fabio começa essa obra subvertendo a própria organização física do livro: o texto já se inicia na capa, ocupa algumas páginas do miolo, sem numeração, para então dar lugar a imagens. Essas imagens constituem um diálogo: para acompanhá-lo, o leitor deve “ir e voltar” pelo livro, uma vez que as páginas estão baralhadas. O fim desse exercício leva ao que seria a capa do livro, na dupla central, com a resposta à última pergunta do diálogo: não. Findo o diálogo, o texto é retomado, para então terminar na quarta capa.

Fabio Morais (6)

http://www.ikrek.com.br/nao/

 

vinte e cinco

Rafael RG (1)
vinte e cinco
Rafael RG
Ikrek
São Paulo, 2014
impresso em Pantone 186u sobre papel Pólen.
15,5 cm x 23 cm
128 p.
300 unidades, numeradas; formato (fechado)

Rafael RG (4)

Rafael RG traz duas fontes para construção de seus trabalhos: uma documental e outra afetiva. A interação entre esses dois locais resulta em obras que quase sempre se aproximam de uma ficção. Isso acontece pelo uso de documentos garimpados em arquivos institucionais ou pessoais somado a narrativas que sempre envolvem sua pessoa ou um alter ego.

Rafael RG (2)

Ao reunir memórias suas e de agentes seminais do campo das artes para sua formação (Ivo Mesquita, Paulo Monteiro e Rochelle Costi), além de documentos que remetem às informações compiladas, Rafael RG constrói um registro verídico de situações que perpassam os 25 anos de cada um desses personagens e deixa em aberto – ou em branco – o que se passou, o que se passa, e o que se passará depois dessa idade que considera crucial, em virtude da frase legada pelo poeta colombiano Andrés Caicedo: Es uma vergüenza vivir más de 25 años en este mundo.

Rafael RG (5)

As entrevistas, realizadas num intervalo de tempo de quase dois anos, não buscam um ponto final nas histórias contadas; por essa razão, talvez, terminem de forma abrupta. As falas de Rafael RG emergem de um fundo tingido da mesma cor dessas informações recolhidas – o roxo dos relatos, documentos e memórias –, e têm tipografia em corpo 25, prendendo sua fala às suas fontes e a esse número, que também domina a paginação do livro. Ao final, a carta àquele que lhe inspirou a obra parece livrá-lo do algarismo, das memórias e da vergonha da idade, resultando em páginas a serem preenchidas.

http://www.ikrek.com.br/vinte-e-cinco/

Atletas 1988-2014

Jac Leirner (2)

Jac Leirner
Atletas: 1988-2014
São Paulo, Ikrek, 2014
impresso em Pantone 186u sobre papel Pólen.
15,5 cm x 23 cm
128 p.
300 ex.

Jac Leirner (5)

O livro de artista Atletas 1988-2014, de autoria de Jac Leirner para a série Ponto e vírgula, da Ikrek Edições, é desdobramento do trabalho realizado a partir da coleção de imagens de atletas, e suas respectivas legendas reproduzidas nas páginas de jornais brasileiros e estrangeiros que Jac compila desde 1988. O conjunto desses recortes de jornais já deu origem a desenhos e colagens nos anos 1980 e 1990, assim como trabalhos em aço exibidos pela primeira vez na exposição Hardware Seda – Hardware Silk, na Yale School of Art, em 2012.

Jac Leirner (8)

A utilização de objetos cotidianos é uma constante em seu trabalho. Esse fato é relevante para a leitura da obra que se apresenta, já que as manchetes selecionadas registram os acontecimentos esportivos que ganharam destaque diante da leitura diária dos periódicos, como também mapeiam os locais por onde passou Jac Leirner.

O livro revela uma narrativa não linear e não contextualizada, porém extremamente dramática. Isso se dá por meio de três eixos concebidos pela artista: a ausência das figuras humanas retratadas nas fotos, mas presentes nos contornos que as sugerem; a proeminência dado às legendas; e, por fim, a cor atribuída ao conteúdo: vermelho sangue.

Informações como data e nome do periódico são reservadas ao índice no final do livro, o que não interrompe a leitura e apreciação dos contornos. Uma vez que traz textos em diversas línguas, o livro não fica restrito a um público lusófono.

O processo de produção do livro é curioso: sobre as centenas de recortes de jornais, a artista fez os contornos a lápis. Foram pré-selecionados jornais e desenhos tomando-se como parâmetro a ausência da silhueta humana em perfeito estado de reconhecimento, ou seja, quanto mais amorfo o contorno, melhor. Posteriormente, foram escaneados. Os contornos foram vetorizados; as legendas foram tratadas de modo a preservar as famílias tipográficas dos jornais e o formato em que foram publicadas. Por fim, fez-se a escolha dos que estariam presentes na publicação.

Outras informações:
Atletas 1988 – 2014 faz parte da série Ponto e vírgula, da Ikrek Edições. A série é composta, em 2014, por quarto títulos: Não, de Fabio Morais; Vinte e cinco, de Rafael RG; O que une – separa, de Lenora de Barros. O projeto teve patrocínio do Banco Itaú, via Lei Rouanet.

o que une – separa

Lenora de Barros (2)

o que une – separa
Lenora de Barros
Ikrek
São Paulo, 2014
papel furioso em cor especial, acondicionado em luva rígida revestida de papel colorplus e impressão serigráfica.
23 x 15,5 cm
128 p.

Lenora de Barros (3)

Lenora de Barros (4)

Lenora de Barros (5)

O que une – separa
Lenora de Barros

Este livro é o resultado de uma investigação poética a partir do hífem, sua forma e significado, ao considerar o livro como um objeto autônomo e performático, tanto pela possibilidade de registro de um ato, como por ser sua manipulação, sua leitura, uma performance em si.

O símbolo, que é central na obra, dependendo de seu uso, une ou separa o que dele se aproxima. O percurso entre um bloco negro, o livro, até um símbolo e seus usos, o hífem, é aqui alterado por um ruído sutil: a presença da própria artista que o sustenta.

Uma camada de verniz une e separa a forma geométrica retangular – própria do hífem e do livro – do registro fotográfico de um ato performático envolvendo a obra de Lenora, um banner instalado na fachada do Centro Universitário Maria Antônia e posteriormente mutilado. Não se trata de um dado, verdadeiro ou falso, e sim de reflexão sobre quem está à procura e quem é procurado, sobre uma forma dada e uma forma construída. O que une e o que separa o público do objeto artístico? O que une e o que separa pessoas em continentes distintos? O que une e o que separa uma forma de seu conteúdo? Há condicionantes?

Este livro é uma obra que pode ser apreciada de diversas formas. Na mais banal, o ato de leitura revela o título do livro, o que une – separa. Já se o observarmos no campo das investigações do código verbal, enquanto construção poética, quando lemos a particula se, quase invisível no centro do livro, sem nos atentarmos, claro, a regras gramaticais, e criando pausas ou entonações variadas na leitura, mesmo que não presentes no livro por meio de símbolos próprios, a obra nos remete a questionamentos sobre o léxico da partícula: o que une se separa pode ser lido de várias formas.

 

Tábula

Edith Derdyk
Tábula
São Paulo, Ikrek, 2015

Tábula, Edith Derdyk, 2015

Tábula é fruto da pesquisa que a artista Edith Derdyk vem realizando desde 2009, tendo como ponto de partida a leitura da tradução primorosa da Gênese realizada pelo poeta concreto Haroldo de Campos no livro Bere’Shith – A Cena da Origem (Editora Perspectiva, 1993), cuja “transcriação” coloca em perspectiva a natureza imagética da palavra escrita quando em estado poético.

Gênese é uma das primeiras narrativas arcaicas em forma de poesia que trata da mitologia da criação na cultura ocidental, cuja origem remonta às escritas sumerianas que relata o Épico de Gilgamesh. Segundo o poeta Haroldo de Campos, são nessas primeiras narrativas míticas que a palavra surge como cápsula imagética e poética, cuja estrutura da língua é consonantal, muito distante de nossa experiência de “palavra” que é calcada na linguagem fonética: um sistema de sinais para a representação dos sons.

O livro contém cerca de cem imagens resultantes de múltiplas sobreposições de textos extraídos da primeira página de cerca de oitenta bíblias – páginas que contam o “dia um” da criação, objeto de estudo do poeta Haroldo de Campos no livro A Cena da Origem, cuja tradução se baseou na escrita originária – aramaico/hebreu arcaico.
Os livros foram comprados em distintos sebos de São Paulo, edições populares em suas diferentes versões, edições, línguas e formatos. As imagens resultantes tornam os textos quase ilegíveis, problematizando a relação entre o texto originário, escrito em aramaico (seguindo os rastros dos procedimentos de tradução e interpretação adotados por Haroldo de Campos) e o nosso texto fonético ocidental.

As páginas são todas dobradas, permitindo uma leitura combinatória, cuja fruição torna-se um processo infindável, metaforizando as milhares de interpretações que se fizeram ao longo dos séculos sobre esse texto originário, tornando o leitor um co-autor.

A publicação foi realizada em virtude da seleção feita pelo edital ProAc 2014, da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo. A pesquisa para Tábula é realizada pela artista desde 2009, tendo sido contemplada, em 2011, pelo Centro da Cultura Judaica para o programa de Residência Artística, curado por Benjamin Seroussi, por meio do qual a artista passou seis semanas em Jerusalém buscando referências in loco. Em 2012, a artista residiu por dois meses na Biblioteca José e Guita Mindlin do Centro da Cultura Judaica, construindo toda a base conceitual da obra Tábula, que agora se concretiza por meio desta edição, em conjunto com a Ikrek Edições.